Segurança no vermelho

de Cristina Morgato em 11 de janeiro de 2011

Chega perto de 32 mil o total de dias perdidos com os acidentes de trabalho em 2009. Isso representa um crescimento de 35% em relação a 2008, segundo a Pesquisa Experiência de Acidentes de Trabalho, realizada pela Marsh Risk Consulting e divulgada no fim do ano passado. Em sua 19ª edição, o estudo aponta também que o número total de acidentes aumentou 11% no mesmo período, chegando a 2.213, o que não parece tão grave, considerando que foi bastante inferior ao aumento no número de trabalhadores de um ano para o outro (30,5%). Os dados correspondem à realidade de uma amostra de 86 empresas brasileiras, sendo 25 do setor metalúrgico, cinco de alimentos e bebidas, quatro de papel e celulose, 10 farmacêuticas, 17 de varejo, quatro do ramo têxtil, e mais 20 de outros segmentos. A pesquisa apura a ocorrência de acidentes típicos e de trajeto (aqueles que ocorrem com pessoas a caminho do trabalho), não incluindo afastamentos por doenças ocupacionais.

Para Sérgio Cruz, consultor sênior da Marsh, a pesquisa reflete a necessidade de dados mais completos sobre acidentes no Brasil (ainda escassos). “Com essas informações mais completas sobre a experiência de acidentes do trabalho no país, identificando causas, taxas de incidência, índice de sinistralidade e outras, podemos compor um banco de dados que permita a comparação entre os resultados de diversos segmentos industriais”, afirma o responsável pelo estudo. Ele ressalta que a diferença entre o crescimento do número de acidentes e dos dias perdidos pode significar que as ocorrências de 2009 tiveram maior gravidade. O índice de gravidade dos acidentes apurados (que leva em conta a quantidade de dias perdidos por ocorrência) aumentou em quase todos os setores analisados, com exceção apenas do varejo.

Além do aumento nos dias de afastamento, também aumentou o custo por acidente, fator que requer maior atenção por parte das organizações. Em uma amostra de 10 empresas, houve perda de 2.559 dias, o equivalente a 18,56 dias por ocorrência, o que representa um custo médio por acidente de 6.879 reais. Esse custo chega a ser oito vezes maior quando se trata, também, de doenças ocupacionais, chegando a 55.425 reais nas mesmas empresas (com perda de 13.715 dias no total ou 100 dias por ocorrência).

Segundo Ana Claudia Pinto, médica da Marsh Gestão de Benefícios, o maior desafio em doenças ocupacionais é que existem ainda menos informações disponíveis no mercado, mas as perdas são muitas e os custos são todos da companhia. “É preciso também identificar as condições do profissional antes que haja afastamento e olhar para a saúde ocupacional física e também a emocional. Casos de psiquiatria são campeões em número de dias de afastamento, porém, transtornos psicológicos muitas vezes são difíceis de ser identificados”, explica a médica, ressaltando a importância de as empresas desenvolverem programas preventivos, além de avaliarem o estresse organizacional.

Entre os fatores responsáveis pelo aumento no custo por acidente está o incremento de ocorrências entre funcionários de maior salário. “Outro ponto muitas vezes não percebido é que no custo do acidente há um custo direto adicional, que inclui o salário dos primeiros 15 dias de afastamento, gastos médicos, entre outros. Isso sem falar dos custos indiretos, que são imensuráveis: danos ao produto, substituição do acidentado, perda de eficiência, custos administrativos etc.”, ressalta o consultor.

Os índices de sinistralidade, ponto crítico para muitas companhias, variam muito entre os ramos de atividade abordados na pesquisa. Na comparação entre os anos de 2008 e 2009, o setor que apresentou maior queda foi o de varejo/serviços (de 12 para 4), seguido pela indústria farmacêutica (de 7 para 5), enquanto a indústria de papel e celulose foi a que apresentou o maior aumento, subindo de 11 para 27. O setor de varejo/serviços também se destacou com a maior redução na frequência de acidentes, resultado considerado impressionante por Cruz, considerando o nível de escolaridade dos profissionais desse segmento. Nesse quesito, o maior aumento foi apresentado pela indústria de alimentos e bebidas. Das 86 empresas participantes, 62 obtiveram índice individual inferior a 15% (considerado aceitável do ponto de vista do segurador) e outras 16 tiveram sinistralidade zero.

Quando questionado sobre a relação entre a amostragem e a situação geral no país, Sérgio Cruz afirmou não acreditar em subnotificação dos casos de acidentes. “Hoje, as pessoas estão atentas a essa questão, e a redução no número de acidentes em algumas áreas se deve a um grande trabalho de treinamento e disciplina”, conclui.

 

#Q#
Fator agravante 

Além das doenças ocupacionais, um dos fatores que mais contribuiu para o aumento nos custos das empresas com acidentes foi a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que desde janeiro de 2010 vem provocando elevação nas alíquotas do Seguro de Acidentes de Trabalho (SAT).

O SAT, direito do trabalhador previsto na Constituição, é de responsabilidade do empregador, e suas alíquotas são definidas conforme o grau de risco da atividade da companhia (podendo variar entre 1%, 2% e 3%). Entretanto, com a Lei 10.666, de 2003, e com o Decreto nº 6957/2009, que alterou o Regulamento da Previdência Social, essa alíquota passou a receber também a incidência do FAP – índice que é apurado de acordo com o desempenho da empresa em acidentes de trabalho.

Para o cálculo, são considerados parâmetros como gravidade, frequência e custo dos benefícios para afastamentos por doença e/ou acidentes de trabalho sofridos pelos empregados. Dessa forma, as empresas com boa experiência acidentária são beneficiadas com uma redução de até 50% em suas alíquotas, enquanto aquelas com experiência negativa têm suas alíquotas agravadas em até 100%.

Embora o cálculo do FAP possa resultar em aumento ou diminuição da contribuição, os resultados para a indústria de médio e grande porte têm sido altamente negativos, e a maioria das companhias teve aumento de alíquotas, o que onera os custos produtivos. Segundo a pesquisa da Marsh, são poucos os casos de empresas que conseguiram reduzir suas alíquotas, e já existe um grande número de ações na justiça contestando a metodologia empregada para cálculo do fator. “A metodologia de cálculo é de difícil entendimento, principalmente pelo fato de não haver divulgação sobre os resultados acidentários dos diferentes segmentos de trabalho”, contesta Cruz.

Em um universo de 64 empresas, a consultoria verificou que 53 (80% do total) tiveram suas alíquotas sensivelmente agravadas. Destas, 16 sofreram agravamento de até 20%, seis tiveram aumento entre 21 e 30%, e 31 empresas tiveram suas alíquotas agravadas em mais de 31%. Apenas 11 companhias do total obtiveram reduções, porém sempre inferiores a 15%.

Existe a possibilidade de contestação do índice do FAP, porém, para isso, é preciso comprovar que as políticas de redução de acidentes deram resultados. “Nesse sentido, os departamentos jurídicos das empresas pouco podem fazer se os RHs, ou áreas específicas de segurança, não armazenarem as informações sobre acidentes”, explica Wladimir Novaes, advogado especialista em Direito Previdenciário.

Para ele, não existe relação direta da redução do nível de acidentes com a incidência do FAP, e são os gestores de pessoas quem têm papel fundamental diante desse desafio. “Muitas questões das empresas com relação à saúde e à segurança devem ser resolvidas pelo RH no momento da admissão. É a hora de impor condições e esclarecer regras por escrito, além de investigar situações pessoais de funcionários que, futuramente, podem reverter em responsabilidades para a organização”, enfatiza.

Para Sérgio Cruz, vivemos uma situação grave, que requer, mais do que nunca, todo apoio possível aos programas preventivos de acidentes. “Somente com a integração entre as áreas de segurança e medicina do trabalho e total suporte da empresa pode-se esperar a obtenção de índices aceitáveis de acidentes e saúde no trabalho”, diz. O consultor reforça que, embora o seguro de acidentes de trabalho no Brasil faça parte de monopólio da Previdência, acidentes laborais afetam outros ramos, tais como seguros de vida, seguro saúde e demais planos médicos, além da responsabilidade civil do empregador.

Nesse sentido, as áreas de RH e os gestores de benefícios de saúde precisam estar atentos para seu papel estratégico nas organizações. Sheila Clezar, diretora da Marsh Gestão de Benefícios, concorda com o ponto de vista do responsável pela pesquisa. Segundo ela, é papel do RH dar suporte às demais áreas e fazer com que as informações cheguem às áreas internas da empresa, mesmo que os acidentes de trabalho sejam responsabilidade de uma área específica. “Áreas de saúde e segurança, qualidade de vida e gestão de benefícios precisam estar integradas, com foco no colaborador, para uma melhor gestão da informação. A grande pergunta para as empresas, independentemente de onde esteja a gestão (saúde e segurança ou RH), é como gerir melhor para que a empresa tenha controle desses benefícios”, conclui.

Cinco passos para reduzir o custo de acidentes
1 Identificar condições inseguras para ocorrência de acidentes.
2 Levantar condições que podem conduzir a doenças ocupacionais.
3 Intensificar treinamentos específicos de segurança.
4 Introduzir e aplicar procedimentos formais para atividades de risco.
5 Investigar rigorosamente acidentes e incidentes.

 

A conta dos acidentes de trabalho*
Número de acidentes em 2009 2.213
Total de dias perdidos com acidentes 31.894
Valor da contribuição para o SAT R$ 76.280.040
Custo teórico de todos acidentes R$ 8.830.680
Índice de sinistralidade 11,58%
Número de acidentes fatais 3
* Dados referentes à pesquisa da Marsh com 86 empresas no Brasil  

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