Gestão

Sociedade relacional

de Cristina Morgato em 29 de maio de 2013
Gustavo Morita
Nassar, da Aberje: a comunicação deve estar presente em todas as áreas e deve ser produzida por especialistas

Vivemos, hoje, em uma sociedade em que tudo é comunicação. No entanto, para que ela, a comunicação, seja eficaz, eficiente, efetiva, é preciso haver uma mediação qualificada. Quem explica é Paulo Nassar, presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor-doutor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). “Os públicos internos são expostos a tanta informação que é preciso que haja aparatos organizacionais que façam essa interpretação e distinção sobre o que é estratégico para o universo da empresa e o universo social”, conta. Nessa visão estratégica e profissional, o comunicador precisa entender que é preciso ter informação qualificada de cada uma das áreas de uma empresa. “E o RH possui muita informação estratégica sobre os públicos e sobre as relações humanas”, diz. Com isso, o RH ganha um novo par.

Em entrevista à MELHOR, Nassar fala dos desafios desses profissionais nessa nova sociedade. “Em uma empresa, pode haver modelos de famílias diferentes. Não há mais um padrão em termos de pessoas, de público. Estamos falando de uma diversidade tão profunda que não é só segmentada, mas pode ser fragmentada – ou seja, as empresas podem ter a necessidade de se comunicar e se relacionar especificamente com uma pessoa”, reflete Nassar.

MELHOR – A independência da área de comunicação nas empresas foi criada por uma necessidade de especialização ou por uma demanda maior de trabalho? Isso também significa uma valorização maior dessa área?
Paulo Nassar – Vivemos uma realidade comunicacional que a área de RH, enquanto aparato, não tem condições de acompanhar. É uma situação que requer uma dedicação para as questões comunicacionais. E a dedicação terá de vir de uma área profissional de comunicação, de pessoas dedicadas a construir narrativas para esse público. É preciso que os comunicadores conheçam o negócio, e também a realidade dessas audiências. É preciso ter excelência para se comunicar, por exemplo, com acionistas, investidores e imprensa. No mundo de hoje, a comunicação faz parte do que chamamos de relacionamentos excelentes organizacionais e essa excelência passa por uma profissionalização da comunicação. Nunca vimos tanta necessidade de uma mediação excelente. Pode parecer paradoxal, em uma sociedade em que tudo é comunicação, tudo se comunica, mas, para que a comunicação seja eficaz, eficiente, efetiva, é preciso haver uma mediação qualificada. Isso porque os públicos internos são expostos a tanta informação que é preciso que haja aparatos organizacionais que façam essa interpretação e distinção sobre o que é estratégico para o universo da empresa e o universo social. A comunicação ganha, assim, status independente dentro da empresa, transformando-se cada vez mais em diretoria – exatamente porque precisa ter essa abordagem estratégica e profissional. Dentro dessa visão estratégica e profissional, o comunicador tem de entender que ele não faz comunicação se não tiver informação qualificada de cada uma das áreas. E o RH possui muita informação estratégica sobre os públicos e sobre as relações humanas no âmbito da empresa.

Ao assumir posição de diretoria nas empresas, a quem se reporta a área de comunicação, ao CEO?Questões relacionadas com assédios moral ou sexual, ou situações que levem à humilhação da força de trabalho, podem se transformar em crises de opinião pública dentro das empresas. Com isso, a área de comunicação precisa pensar na velocidade necessária dessa comunicação, pensar estrategicamente e na abrangência que essa informação possa ter. Diante dessa abrangência das questões comunicacionais, hoje a comunicação empresarial nos organogramas está cada vez mais na mesma linha que outras áreas em termos horizontais. Diretores de RH vão ter, cada vez mais, um diretor de comunicação como par. Vemos, em nossas pesquisas da Aberje, por exemplo, que os salários e benefícios das áreas comunicacionais estão alcançando patamares nunca vistos. Hoje, também é um atributo de excelência para a empresa ter uma comunicação que faça parte de sua alta direção. Essa independência não foi criada pelos comunicadores, mas é exigida cada vez mais pela sociedade.

Quais os benefícios de ter uma área de comunicação independente? E os desafios?
O primeiro desafio é ter comunicadores que estejam à altura desses desafios. Não adianta ter comunicadores que só falam “comunicaloguês”, eles precisam falar a linguagem da organização, que passa por todas as áreas. É alguém que esteja convivendo, pensando, estruturando o que chamamos de política organizacional [e não só atuando a partir de uma política já pronta], atuando em níveis de planejamento e operação. Além disso, esse comunicador tem de conhecer quais são os valores, as técnicas e as crenças que a comunidade empresarial, representada por sua alta direção, compartilha. Senão, ele vira um simples operador. Assim, o comunicador deve ter uma formação especial, generalista – não no sentido negativo, mas um generalista que saiba se articular com os especialistas dentro da organização. É alguém que tem uma alta responsabilidade porque trabalha diretamente na mudança cultural de uma organização, em ambientes de crises, e onde as oportunidades estão acontecendo o tempo inteiro. Mais ainda, um desafio hoje é trabalhar uma comunicação que não seja só quantitativa. O comunicador tem de ser também alguém que consiga influenciar a empresa para um olhar mais qualitativo, não só quantitativo. Aí estamos falando de sustentabilidade, de gente, do social, do cultural, do ambiental, tecnológico, político, de todas as dimensões. É um novo tempo, realmente de mudança. As empresas precisam aprender a valorizar principalmente o humano, o intangível, o simbólico, tudo aquilo que acaba, hoje, criando valor.

E quando se fala em resultados, como está a questão da mensuração dos investimentos em comunicação?
Hoje, há inúmeras técnicas, seja para atividades de comunicação voltada para os empregados ou para outros públicos estratégicos. A dificuldade é que as empresas ainda não destinam verbas para mensurar. Todos falam em mensuração, mas, muitas vezes, quando recebem orçamentos para isso, a empresa recua. Já temos, inclusive entre os associados da Aberje, um número significativo de empresas cujo negocio é voltado para mensuração; não vejo isso como uma novidade. Já é possível escolher metodologias diferentes, o desafio é mudar os paradigmas. O que é um valor a ser determinado como meta para uma força de trabalho? Não podemos mais estabelecer o tempo todo metas que podemos designar como inalcançáveis, insustentáveis, até mesmo desumanas. Temos de estabelecer metas razoáveis. Hoje, há o império dos números. Temos de começar a trabalhar outras ideias relacionadas com as pessoas da organização, uma nova forma de pensar comunicação interna.

Nesse cenário, como ficam as agências de comunicação? Também houve um crescimento?
Todos os setores ligados à comunicação estão crescendo. Isso também ocorre com as agências de comunicação focadas em relacionamento com os empregados. O volume econômico movimentado por esse mercado, no ano de 2011, foi de 8,2 bilhões de reais no Brasil. É um volume maior que o da indústria da mineração. Cerca de 3,5 bilhões desse montante está entre as agências. Há uma capacitação cada vez maior dos profissionais que trabalham nesse mercado – são jornalistas, relações públicas, publicitários e outras especialidades que estão surgindo, com direito a pós-graduações, mestrados e doutorados sobre questões relacionadas com a área. Vemos também que as empresas estão aumentando o tamanho de suas áreas de comunicação. Há, assim, uma valorização dos processos comunicacionais. Em outros cenários, quando o executivo dizia que tinha uma área de comunicação, ele estava dizendo que tinha uma agência trabalhando para ele, provavelmente de publicidade. Hoje, comunicação já não é sinônimo de publicidade; publicidade é um de seus tipos. Falamos de uma comunicação que é feita por meio da experiência, muitas vezes essa experiência vem por meio de “rituais” como chamamos, eventos, enfim uma comunicação fortemente relacional.

E como está a relação entre comunicação e marketing? Temos um histórico no país em que sempre houve mais verba para publicidade do que para comunicação interna.
Houve uma mudança nesse cenário. Dentro dos últimos 50 anos, houve situações em que, para a empresa, o público principal era o cliente, o consumidor, por isso as demandas comunicacionais estavam relacionadas a esse público. Porém, hoje temos uma realidade em que as organizações, pelos seus portes, têm muito mais impacto no social, no ambiental, no econômico, e no cultural da sociedade. As ações organizacionais estão o tempo todo gerando controvérsias, inúmeros pontos de vista, e isso é uma questão comunicacional também. A empresa tem de conversar não só com o consumidor, mas com toda a comunidade. A comunicação mercadológica focará atributos do produto, preço, onde encontrar, o que é. Mas, hoje, mesmo quando a sociedade olha um produto, ela quer saber como ele foi feito, quais os recursos usados, qual o impacto após sua utilização. Com isso, a comunicação ganha outra dimensão, e a comunicação empresarial, que já foi o “patinho feio”, transforma-se em cisne, deixando de trabalhar em dimensões extremamente operacionais, e não fundamentais ao universo organizacional.

As pesquisas da Aberje são focadas em grandes empresas. Como a associação vê essa realidade nas pequenas e médias? Segue a mesma tendência?
Uma empresa que tem dificuldade de ter capital de giro para fazer investimentos em desenvolvimento de produtos, ou para ter um ponto de venda diferenciado, pagar os salários de seus funcionários, certamente terá dificuldades para ter, não só uma área de comunicação estruturada, mas também uma área de RH, uma área de pesquisa e desenvolvimento, entre outras áreas estratégicas. Uma estatística da primeira edição do meu livro Comunicação na pequena empresa apontava que, no Brasil, o investimento per capita em comunicação na pequena empresa era de 27 dólares por ano. O que se faz com 27 dólares? Como eu posso falar para esse pequeno empresário que ele precisa criar uma área profissional? O que é mais importante no caso de uma pequena empresa é que ela tenha cultura comunicacional. Tendo isso em sua cultura organizacional, as PMEs devem buscar habilidades e conhecimentos sobre ferramentas comunicacionais em organizações voltadas para esse setor, como o Sebrae, por exemplo, que tem como missão realizar treinamentos, ou fornecer outros aparatos voltados para a capacitação não só em comunicação, mas de contabilidade e uma série de outros temas.

 

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