Carreira e Educação

Solte (bem) o verbo

de Edgard Murano em 11 de fevereiro de 2009

Foi uma área em que, por muito tempo, os desavisados acharam dispensável o domínio do padrão culto do idioma. Mas no mundo corporativo, em que a lógica dos lucros e prejuízos norteia as preocupações cotidianas, cada vez mais executivos se preocupam com a eficácia da comunicação no trabalho e dedicam-se ao aprendizado da língua portuguesa – sobretudo em épocas de acordo ortográfico.

No entanto, alguns vícios ainda persistem no dia a dia empresarial, muito embora já exista a consciência de que o uso do idioma pode ser a diferença entre um desempenho eficaz e o fiasco nas relações internas das corporações, na interface externa de suas operações, e em reuniões de trabalho e negócio. Daí a onda de profissionais preocupados com a própria formação e ciosos da credibilidade da empresa que representam a procurar cursos de aperfeiçoamento. Aqueles que leem menos acabam recorrendo a programas intensivos para absorver de forma rápida um conhecimento que, em geral, se construiria ao longo de uma vida.

A sócia-diretora da Companhia de Idiomas, Ligia Velozo Crispino, já perdeu a conta das empresas a que atendeu com praticamente todos os colaboradores apresentando deficiências sérias no trato com a língua, em cargos como os de gerência, dos quais normalmente se espera uma formação mais consistente. Ela assinala que os erros mais comuns são os de concordância e regência verbal, além de ortografia (“experiência” com s ou “ansiedade” com c, por exemplo, são comuns), a maioria perpetrada na comunicação por internet. “Você não detecta tantos erros em relatórios quanto em e-mails. Esse tipo de mensagem proporciona um nível de informalidade muito grande. Profissionais mais jovens, principalmente, escrevem tudo em letra minúscula e não colocam acento – o que acontece, na maioria dos casos, por causa da necessidade de se comunicar de forma rápida”, afirma Ligia.

A diretora associa o uso do idioma a um cartão de visita. “Se você está num cargo de maior destaque, obviamente estará mais exposto. Sendo assim, imagine um diretor de marketing, um relações públicas, com a responsabilidade de representar minha empresa: que imagem ele vai passar se comete muitos erros de português?”, questiona.

A publicitária Marlisi Rauth, que trabalha como analista de comunicação e consultora de marketing em Curitiba, destaca o uso indevido do pronome oblíquo (“te mandei um arquivo”, por exemplo), que, embora seja tolerado na comunicação oral, não é recomendado na comunicação escrita ou em situações mais formais. Outra afronta ao idioma são os vícios de linguagem, diz Marlisi, como “a nível de”, além de mencionar o clássico “para mim fazer” como erro fatal, que pode gerar uma impressão muito ruim.

“Há muitos sites e peças de comunicação empresarial repletos de erros, mas isso é bem mais freqüente no dia a dia das empresas. E esse é o grande problema, porque as pessoas acabam se acostumando com alguns deles”, afirma Marlisi.

Inversão
Gerson Correia, sócio da Talent Solution, empresa de seleção de executivos, já presenciou muitos maus tratos à língua que comprometeram negócios. Segundo ele, se um profissional mais experiente ainda comete erros primários, é porque nunca teve feedback. “Um cliente de uma empresa de tecnologia estava prestes a fechar um negócio, e a certa altura cometeu um erro referente à grafia de uma palavra comum, do dia a dia. Pegou mal e o negócio acabou desandando, pois causou uma péssima impressão”, lembra Gerson, que também ataca o uso de gírias na comunicação corporativa. “Em alguns segmentos, como o da publicidade, as gírias são toleráveis, mas em grande corporações, por exemplo, é de bom tom evitar expressões mais informais”, recomenda.

Em certas situações, a informalidade está a tal ponto instituída na comunicação que o uso normativo da língua se torna vítima de preconceitos. “A ênclise [coloção do pronome depois do verbo] hoje é motivo de crítica, e muitos consideram pedantismo. A expressão com gerúndio também parece ser regra, em vez do futuro do presente. De modo que, quando se ouve a forma certa, soa esquisito, como se o correto fosse estranho”, explica Correia.

Promoção
Uma pessoa que apresenta dificuldades para se comunicar tende a ter maiores contratempos numa empresa. Quanto mais se evolui na hierarquia maior será a cobrança pelo desempenho. No que se refere à expressão, essa evolução será medida, entre outros fatores, por um bom vocabulário e pela capacidade de se expressar com precisão e clareza em situações cotidianas. Lígia, da Companhia de Idiomas, explica que há pessoas que, por tempo de casa, são promovidas apesar de continuarem com problemas de comunicação. “Nesses casos, a empresa se vê obrigada a investir nesse funcionário para ensinar-lhe o idioma. E se numa empresa a equipe se comunica melhor do que o líder, você tem um problema. Não será um curso de 40 horas que irá solucioná-lo, pois isso vem da família, da educação”, afirma Lígia. Para esses casos, ela defende um trabalho mais prolongado, que proporcione leituras e atividades variadas para que os funcionários não fiquem “bitolados” na cultura empresarial.

Mas, embora a falta de domínio da língua implique restrições ao crescimento profissional de um executivo, a consultora Marlisi Rauth não crê que a incidência de erros seja motivo para demissão. “Uma pessoa que não saiba escrever ou falar corretamente muito provavelmente terá dificuldades de se expressar. Sem saber se expressar, o profissional pode acabar falando o que não deve, ou pode não ter capacidade de persuasão e justificativa em momentos delicados, por exemplo. E, aí sim, pode colocar muito a perder”, explica Marlisi.

A consultora recorda-se de uma empresa onde trabalhou que desclassificou muitos candidatos a vagas de emprego por terem ido mal na prova. “Vi muita gente perder sua chance de contratação por causa do português.”
Tudo indica que, excetuando-se os lapsos, cada vez mais frequentes ante a rapidez que a vida profissional exige, os erros de português têm sempre a mesma base: a falta de leitura. Marlisi defende que um profissional, sobretudo de alto escalão, estabeleça para si uma rotina de leituras – não só de jornais e revistas, mas também de livros – e torne-se “íntimo” do idioma, incorporando a forma culta ao seu dia a dia. Uma pessoa que escreva errado pode acabar sendo tachada de ignorante pelos colegas de trabalho.

Objetividade
A jornalista Arlete Salvador, autora dos livros A arte de escrever bem e Escrever melhor (ambos da editora Contexto, 2004 e 2008, respectivamente), em parceria com Dad Squarisi, também considera “erro” a falta de objetividade que vitima o uso da língua nas empresas. Ela alega que a incapacidade de se expressar com clareza pode manifestar-se em textos muito longos e com palavras em excesso, sendo a maioria delas, em muitos casos, desnecessária. “O resultado disso é que o texto fica prolixo e o autor arrisca-se a cometer mais erros gramaticais e ortográficos. Uma das coisas mais irritantes para executivos de alto escalão é receber relatórios longos e incompreensíveis. Sabe aquele tipo de documento que o diretor lê e pergunta: “Meu Deus do céu, o que ele quis dizer com isso?”, ataca Arlete.

O exagero de palavras, também conhecido como verborragia, pode ser um sinal de dificuldade para expor ideias ou intenções, o que pode, do ponto de vista dos negócios, resultar em ineficiência, queda de produção e consequentemente prejuízos. Além disso, jargões e palavras de efeito podem mascarar informações inócuas ou mal organizadas, revelando a falta de concisão de quem produziu o texto. E, neste caso, os maiores prejudicados são a própria empresa e, infelizmente, o idioma.

 

Para não errar Alguns vícios de linguagem que podem arranhar a imagem do profissional
Por João Jonas Veiga Sobral

O mesmo
É comum o uso inadequado do pronome demonstrativo “mesmo” como pronome pessoal. “Mesmo” não é pronome pessoal e não deve ser usado no lugar de “ele” ou de outro substantivo, como: “A secretária preparou o relatório e o mesmo será enviado para a diretoria”. O termo em destaque deve ser substituído por “ele” ou por um pronome relativo: “A secretária preparou o material que será enviado à diretoria”.

Junto a
A locução adverbial é usada inadequadamente em substituição à preposição “com”. “Junto a” é semelhante a “perto de”, “próximo a”: “Resolva isso junto ao RH”. Bastaria substituir pela preposição “com”: “Resolva isso com o RH”.

Concordância do verbo “haver”
O verbo “haver” é impessoal, isto é, não deve ser flexionado quando indicar tempo passado ou substituir os verbos “existir”, “ocorrer”, “acontecer”. No entanto, são comuns usos como: “Houveram muitos problemas nas empresas”. O correto é “Houve…”. “Há dias atrás houveram discussões.” O correto: “Há dias houve discussões”. Note que ocorre uma redundância desnecessária em “há dias atrás”.

Onde
“Essa é uma situação onde devemos trabalhar em silêncio.” O correto é “Essa é uma situação em que devemos trabalhar em silêncio”. O advérbio ou o pronome relativo “onde” expressa sempre a ideia de lugar: “Essa empresa está em uma região onde há poucos concorrentes”.

Menos
É muito comum o uso do advérbio “menos” na forma flexionada “menas”. Vale lembrar que os advérbios são classes gramaticais invariáveis que se relacionam com o verbo, o adjetivo e o próprio advérbio. Não devemos usá-lo concordando com o substantivo: “Há menas mulheres do que homem” (“Há menos…”). “A porta estava meia aberta” (“…meio aberta”). “Meio-dia e meio” (“… e meia”). Trata-se de “meia hora”.

Crase
É a contração ou a fusão de duas vogais. É preciso o encontro da preposição “a” com o artigo “a” para que ocorra, com os pronomes demonstrativos “aquela”, “aquele”, “aquilo” e com o pronome demonstrativo “a”. “Entregamos à empresa os formulários solicitados”.
(Entregamos a + a empresa…). É muito comum o emprego inadequado da crase em situações em que não há a fusão das vogais. “Entreguei à ela os formulários”. (Entreguei a + ela). Note que o pronome pessoal “ela” não admite artigo. Isso inviabiliza o uso da crase. Dessa forma, não há crase em: “Enviamos a você (a + você) os formulários”. “Salário a combinar”. (a + combinar) “A partir (a + partir) de amanhã”. Há crase em ocorrências como: “Entregaremos às (a + as dezesseis) dezesseis horas”. “Solicitamos à (a + a diretoria) diretoria a documentação”.

O Gerundismo
“Eu vou estar anotando o número” ou ´´A telefonista vai estar transferindo a ligação”. Essas construções viraram uma praga nos escritórios em todo o país. O problema dessas construções não está na estrutura (flexão dos verbos ´ir´, ´poder´ + estar + gerúndio), mas no uso indiscriminado e inadequado. Quando se usa essa construção para indicar duração de tempo ou processo, não há problema: “Não poderei atender a ninguém nessa tarde, porque vou estar em reunião”. Mas nas construções “eu vou estar saindo, providenciando documento ou transferindo a ligação”, não há um processo nem um tempo significativo a ser contado, por isso não devem ser empregadas.

Anexos
“Seguem em anexo os formulários.” Outro caso de redundância desnecessária. Basta escolher entre “segue” e “anexo”. O adjetivo “anexo” concorda com o substantivo: “Anexos formulários e anexas faturas”. Embora a norma do idioma não abone a locução “em anexo”, formada por preposição e adjetivo, gramáticos e linguistas defendem o uso, já comum nas mensagens corporativas.

Regência de “implicar”
Há muita confusão no uso do verbo “implicar” no sentido de “ocasionar” ou “provocar”. Nessa acepção, “implicar” não solicita preposição alguma, embora seja comum o uso equivocado da preposição “em”: “O atraso no pagamento dos boletos implicou em multa”. O recomendável, nesse caso, é: “…implicou multa”.

Pagar
“Pagar” é outro verbo cuja regência provoca alguns deslizes: “Paguei o salário ao funcionário”. Quando o complemento do verbo “pagar” for pessoa, deve-se empregar a preposição “a”: “Paguei ao funcionário”. Quando o complemento for coisa, não se deve empregar preposição: “Paguei o salário”. Vale lembrar que os pronomes oblíquos “lhe” e “o/a” substituem respectivamente objetos indiretos e diretos. Paguei ao funcionário: paguei-lhe. NUNCA = paguei o funcionário/paguei-o Paguei o salário: paguei-o NUNCA = paguei ao salário/paguei-lhe

Dupla regência
Devemos ficar atentos aos verbos de dupla regência: “Informamos ao funcionário o horário”. “Comunico aos funcionários o horário”.

Cuidado: Comunico-o = comunico o horário Comunico-lhe = comunico ao funcionário. Há outros verbos cuja regência é, normalmente, empregada de forma inadequada no ambiente corporativo: “Sair de férias”. O correto é “sair em férias” “Chegar ou ir no escritório”. O correto é “chegar ou ir ao escritório”.

Enquanto
A conjunção deve ser usada quando se deseja indicar noção de temporalidade: “Enquanto trabalhávamos, havia pessoas brincando”. Não podemos empregá-la em lugar da conjunção “como”: “Fulano, enquanto diretor, tem de dar o exemplo”.

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