Gestão

Talento importado

de Luciana Savioli em 22 de junho de 2012
Paulo Fridman / Getty images
Brasil tem se tornado centro de interesse de muitos profissionais estrangeiros

Nos últimos anos, a tão falada globalização mostrou com força como é possível abalar todos os setores – e encher de produtos estrangeiros desde nossas prateleiras de armário, despensa, televisão e até, por que não, a sala do profissional de recursos humanos de empresas brasileiras. Sim, hoje nós também importamos profissionais para trabalhar com e para a gente – um forte indício de que as fronteiras são limites totalmente transponíveis no que se refere à mobilidade de talentos. Antes, era o Brasil que mandava pessoal para o mundo afora, profissionais que se lançavam em busca de melhores oportunidades, salários, de carreiras mais sólidas e promissoras. Hoje, o que se vê é que esse fluxo não é mais unilateral, mas uma via de mão dupla e que a economia brasileira tem atraído, e muito, a atenção e a mão de obra de outros países.

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), no primeiro semestre deste ano, o número de estrangeiros que chegou ao Brasil foi de mais de 26 mil pessoas, cerca de 20% maior em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2011, foram nada mais, nada menos que 70.524 estrangeiros trabalhando em empresas por aqui. Dos trabalhadores temporários (veja mais no quadro Quem chega ao Brasil),a maioria vem para ocupar funções em embarcações ou plataformas estrangeiras (17.738), ou na condição de artista ou desportista, sem vínculo empregatício (12.001).

Currículos
Melhor - Gestão de pessoasQuais os motivos dessa grande onda de chegada de novos cérebros e braços ao nosso território? A situação econômica adversa nos países de origem, a ótima fase econômica do Brasil e, por que não, a vontade de ter uma experiência profissional internacional – o que, no mundo globalizado de hoje, se torna algo muito mais comum, acessível e desejável. Soma-se a isso o fato de o Brasil também ter certa escassez de mão de obra especializada em alguns setores, alguns acreditam, o que abre brechas para a vinda de conhecimento exterior.

Um diretor de uma multinacional do setor de cosméticos, que não quis se identificar, conta que esse argumento tem procedência e a necessidade de trazer um profissional de fora se deve ao fato de ele ter um conhecimento técnico em determinado assunto que o brasileiro ainda não tem. “Muitas vezes, trazemos pessoas de fora porque elas já implantaram no país de origem o que estamos implantando aqui. Além disso, o Brasil é a bola da vez. Tomei parte de um curso nos EUA em que muitos participantes vinham trazer seus currículos para a equipe brasileira. Somos visados porque nosso mercado está bem aquecido e porque a situação lá fora não está em seu melhor momento”, diz. Mas, como tudo na vida, a experiência pode ter seus percalços. Além da contribuição que essas pessoas trazem consigo na bagagem para o negócio nacional, o que há de difícil na vinda deles ao Brasil? “Sinto que a falta do conhecimento da língua e a má adaptação do profissional estrangeiro – seja brasileiro no exterior ou vice-versa – podem ser obstáculos nesse tipo de contratação”, comenta o executivo.

Adaptação
As dificuldades não terminam por aí. Mesmo com todos os pré-requisitos para a vaga e a disposição para encarar o desafio, o estrangeiro ainda enfrenta um longo processo para entrar no nosso país e organizar a vida. “A principal dificuldade foi a demora para eu ter a documentação para abrir uma conta bancária, alugar um apartamento, comprar um carro e, enfim, começar a me sentir em casa” afirma Rodrigo Ruiz Hernandez, 34 anos, diretor de consultoria técnica de uma empresa francesa de segurança digital. Após morar na França e Espanha, Ruiz escolheu o escritório do Brasil para seguir sua carreira na companhia. Está há oito anos em São Paulo, onde se casou e teve dois filhos. No entanto, para ele, mesmo com as burocracias do processo de imigração, a experiência vale a pena. “Sair da zona de conforto é sempre importante. Além de conhecer uma nova língua, se aprendem novas formas de pensar, de fazer negócios, etc.”

De fato, as leis brasileiras colocam empecilhos para que tanto a entrada quanto a adaptação no país sejam mais tranquilas. “Não há como negar que a legislação que rege o ingresso e permanência de estrangeiros no Brasil está ultrapassada. O Estatuto do Estrangeiro [Lei 6.815/80] é resquício do regime militar, com forte tendência à segurança nacional. Está em trâmite um Projeto de Lei para o novo Estatuto do Estrangeiro, mais alinhado com os direitos humanos”, afirma Nadia Demoliner Lacerda, advogada da Mesquita Barros Advogados. “No entanto, podemos dizer que o Brasil é um país receptivo à mão de obra qualificada. Altos executivos não enfrentam dificuldades para imigrar ao Brasil. Além disso, têm garantidos os mesmos direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição  e das leis nacionais”, acrescenta. Todavia, prossegue a advogada, há desafios a serem enfrentados em relação aos imigrantes sem qualificação profissional, os chamados imigrantes econômicos e os refugiados, a exemplo dos haitianos.  “Esse contingente de pessoas ainda enfrenta trâmites burocráticos complexos e inúmeras dificuldades para a legalização sua condição de residência no país.”

Correntes distintas
Dentro desse movimento de vinda de mão de obra estrangeira, há duas correntes bem distintas. A primeira, de imigrantes vindos de países vizinhos, como Peru, Bolívia, Paraguai, e que geralmente têm uma escolaridade baixa e pouca qualificação, sem muitas vezes ter o curso superior constando no currículo. Parte dessa leva foi beneficiada com a anistia de 2009 e o acordo do Mercosul, que autoriza cidadãos dos países do grupo a entrarem sem visto no Brasil. Em virtude disso, houve um salto no número de trabalhadores vindos dessas partes do globo e que, muitas vezes, são aproveitados para trabalhos pouco valorizados. Além disso, estima-se que atualmente haja no Brasil de 60 a 300 mil estrangeiros ilegais – além dos latino-americanos, chineses e africanos – uma massa considerável disposta a ingressar no mercado brasileiro.

A segunda corrente é de estrangeiros superqualificados, aqueles que vêm preencher uma lacuna dos profissionais brasileiros, que muitas vezes não têm o conhecimento técnico desejado para determinada função. Segundo pesquisa da consultoria de recursos humanos ManpowerGroup, 14% dos empregadores brasileiros têm buscado fora das nossas fronteiras pessoas para fazerem parte de seu quadro de funcionários. O levantamento, feito com 400 empresas que atuam no Brasil, entre multinacionais e companhias brasileiras, mostra que quase 20% das empresas pesquisadas já têm entre 1 e 5 funcionários expatriados ocupando cargos gerenciais; 13% delas têm mais de 20 desses colaboradores.
 


De além-mar
Crise na Zona do Euro impulsiona a vinda de profissionais portugueses

O Brasil está na mira de Portugal. Diante da crise na Zona do Euro, os portugueses estão cada vez mais buscando uma oportunidade além-mar e o Brasil é um dos destinos mais procurados. O crescimento econômico brasileiro e a facilidade da língua são algumas das vantagens para os que resolvem buscar emprego por aqui. Na Hays, consultoria em recrutar para média e alta gerência, de cada 60 currículos recebidos durante os três primeiros meses de 2012, um era de profissionais portugueses ou de brasileiros, baseados em Portugal, querendo voltar ao país de origem.

Melhor - Gestão de pessoasA maioria desses currículos é de profissionais de áreas técnicas, principalmente de TI e engenharia. Desses candidatos, todos possuem pelo menos cinco anos de experiência em suas respectivas áreas. Os profissionais têm uma média de idade entre 30 e 45 anos. Entre os motivos de interesse para mudança de país os candidatos citam principalmente a facilidade de ter uma mesma língua. Em segundo lugar, fica união familiar – muitos são casados com brasileiros ou já possuem parentes morando no Brasil. Em terceiro, ficam os portugueses que buscam uma posição de gerência para então mudar-se com a família inteira para cá.

De acordo com Juliano Ballarotti, gerente da expertise de engenharia da Hays, a contratação de estrangeiros por empresas brasileiras é um movimento novo. “Não é uma prática comum historicamente, mas o cenário está mudando. Nos últimos anos a demanda por engenheiros no Brasil aumentou demais e a oferta é baixa. Como Portugal não vive um bom momento, muitos profissionais têm interesse em vir para cá.” Em relação aos currículos com foco na expertise do consultor, ou seja, engenharia e suas disciplinas, Ballarotti afirma que boa parte dos candidatos portugueses possui habilidade técnica, tem boa experiência em obras de infraestrutura, principalmente aqueles que participaram do rápido desenvolvimento de Portugal quando o país entrou na Zona do Euro. “Naquele momento, o país cresceu bastante em termos de infraestrutura e muitos candidatos ganharam boa experiência no setor”, analisa Ballarotti.

Ele acrescenta que, em geral, os benefícios oferecidos são atraentes para esses candidatos. “Como os salários de engenharia no Brasil estão bem alavancados, a maior preocupação deles é encontrar um bom projeto, em uma empresa que aposte em um estrangeiro e que o ajude a conseguir o visto de trabalho.”

 

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