Gestão

Todo cuidado com o que varia

de Por Felipe Faletti em 17 de junho de 2011
Siqueira, do Hay Group: forma menos onerosa de atrair talentos

A remuneração variável é uma ideia brilhante que levou nossas empresas a superar, em produtividade e inovação, todos nossos competidores no mundo comunista. A frase é do ex-presidente americano Ronald Reagan, que se autointitulava o homem que venceu a Guerra Fria. Para Reagan, a possibilidade de ascensão social e o fato de as empresas não engessarem o pagamento de seus funcionários na forma de um salário fixo estavam na gênese da criatividade que levou as companhias capitalistas a tornarem-se mais competitivas nos anos 80, época em que quase metade do mundo ainda vivia em regimes de economia socialista. O pensamento definido como brilhante nos anos 80 virou motivo de vergonha nacional três décadas depois, quando ícones da pujança capitalista, como o centenário banco Lehman Brothers e gigantes do mercado securitário como AIG e Merrill Lynch tiveram de pedir desculpas por pagar bônus milionários ao mesmo tempo que pediam ajuda aos contribuintes americanos para não ir à bancarrota.

Na avaliação do professor de economia financeira da FEA/USP, Antônio Marilac, o episódio americano não desmerece as políticas de bônus, mas deixa claro que, como quase tudo no capitalismo, deve haver forte regulação do mercado para evitar abusos e desequilíbrios. “O pagamento de bônus polpudos foi o principal vetor da inovação no mercado de crédito e finanças nos EUA ao longo das últimas décadas. Seduzidos pela possibilidade de participar de verdade dos ganhos das companhias financeiras, os executivos de Wall Street quebraram a cabeça para transformar suas empresas nas mais loucamente lucrativas”, diz Marilac. Para o professor da FEA, o “espírito animal” dos executivos em busca de maior lucratividade não é ruim. “Em toda a história foi esse pensamento que permitiu expandir os bens de consumo a mais pessoas e gerar riqueza para as sociedades”, explica.  O caso americano ganha contornos negativos quando o desejo por maior eficiência e lucros cruza a tênue fronteira da ganância e flerta com práticas pouco éticas.

No caso específico dos bancos americanos, em nome de resultados progressivamente mais polpudos, várias regras de segurança foram quebradas. A principal delas foi conceder empréstimos para famílias altamente endividadas e sem condições de pagar as prestações caso qualquer soluço afetasse a economia local.  Em outubro de 2008, muito mais que um soluço se abateu sobre os EUA e o castelo de cartas armado por Wall Street desmoronou. Para a consultora sênior de remuneração da Mercer, Ana Paula Henríquez, faltou aos bancos americanos definir metas mais complexas em sua política de bônus. “Os executivos não podem ser medidos apenas pelo resultado financeiro que entregam no curto prazo. É preciso avaliar como eles chegaram a este resultado e, sobretudo, colocar na pauta critérios que levem em conta a perenidade da empresa”, diz Ana Paula.

Políticas de remuneração
Embora o sistema bancário brasileiro esteja longe de oferecer o nível de crédito (e de riscos) registrado nos EUA, as empresas nacionais, de todos os setores, tendem a adotar políticas de remuneração variada ainda mais agressivas que nos países desenvolvidos. Uma pesquisa do Hay Group com companhias representativas de vários setores no Brasil apontou que as empresas locais adotam uma relação maior remuneração variável versus salário fixo para cargos de decisão que companhias europeias ou americanas. “Isso se deve, em parte, ao regime tributário brasileiro. Os impostos que incidem sobre a folha de pagamento são muito elevados, o que impulsiona as empresas a encontrar outras formas de oferecer rendimento adicional a seus funcionários”, diz Carlos Siqueira, diretor de remuneração do Hay Group para a América Latina.

Companhias altamente competitivas, como AmBev e Vale, por exemplo, pagaram a seus colaboradores de nível gerencial até 10 salários extras este ano, em função dos bons resultados de 2010.  Segundo Siqueira, essa é uma forma eficaz de premiar os profissionais de melhor desempenho, mas também de oferecer um rendimento maior com menor tributação. O momento de euforia na economia brasileira, que mantém taxas de crescimento elevadas mesmo com esforços públicos para conter os riscos de superaquecimento (e de inflação), e a escassez de mão de obra qualificada tendem a acelerar o pagamento de bônus a funcionários de todos os níveis nos próximos anos. “Muitas contratações estão ficando mais caras, pois, como não há oferta de desempregados, é preciso tirar profissionais de seus competidores, um processo invariavelmente oneroso. Uma forma de atrair colaboradores sem pesar a mão na folha salarial é criar políticas mais agressivas de remuneração variável”, diz Siqueira.

#Q#

Critérios ponderados
Para os especialistas, um plano de bônus será bem-sucedido se for desenhado com critérios claros e bem ponderados. E, mais importante, não medir o desempenho só pelo resultado financeiro de curto prazo. “A partir do exemplo americano de 2008 muita coisa já mudou. Na composição do bônus, antes entravam essencialmente o resultado de determinado departamento e os números gerais da empresa. Hoje, notamos que várias companhias estão fazendo um mix de critérios quantitativos – como lucro, Ebitda e faturamento – com qualitativos, como a retenção de funcionários, manutenção de contratos de médio prazo com clientes e fornecedores e estabelecendo objetivos de longo prazo a serem, gradualmente, alcançados”, diz Ana Paula. Um novo vetor que ascendeu no cálculo dos bônus nos EUA e que já influencia as políticas corporativas brasileiras é o tripé satisfação do consumidor, inovação e prazer no trabalho. “Os bancos que levaram um tombo em 2008 lideram esse processo, já adotado por várias companhias no mundo, inclusive no Brasil. A ideia é colocar na fórmula de cálculo da remuneração dos executivos índices mínimos de atendimento desses critérios, considerados estratégicos para o futuro das companhias”, afirma professor Marilac.

O pensamento definido como brilhante virou motivo de vergonha nacional três décadas depois, quando ícones como a AIG e Merrill Lynch tiveram de pedir desculpas por pagar bônus milionários ao mesmo tempo que pediam ajuda aos contribuintes
americanos

Metas definidas
Para Carlos Siqueira, a melhor forma de o RH acertar a mão no pagamento de bônus é definir claramente seu objetivo antes de desenhar o plano, setor por setor.  Na avaliação do consultor, é preciso medir em quais áreas a meta é não perder talentos, em quais haverá necessidade de formar profissionais e onde o desafio será tirar profissionais da concorrência. Dois cuidados básicos sugeridos por Siqueira são realizar pesquisas de satisfação com os bônus e investigar a média dos prêmios pagos no mercado. “Observar o que a concorrência faz é uma prática centenária das empresas e válida também para política de bônus. Outro aspecto é conversar com sua mão de obra, ouvir suas expectativas e perceber se eles têm clara percepção do quanto o pagamento do prêmio adiciona à sua remuneração anual.

Para o diretor do Hay Group, muitos planos de bônus são bem desenhados e definem critérios corretos para medir seus colaboradores, mas falham no gargalo da comunicação interna. “Algumas empresas fazem tudo certo, só se esquecem de dizer para o funcionário quais metas ele deve perseguir”, diz. Ana Paula, da Mercer, afirma que erros de comunicação interna são mais comuns do que o RH imagina. “Em geral, há uma campanha de divulgação das regras da remuneração variável que envolve vários níveis hierárquicos. Uma das falhas comuns é comunicar as metas só para os gestores, esperando que eles as repassem aos subordinados, o que nem sempre acontece”, diz Ana.

Comunicação clara
Para os consultores, é muito comum entrevistar funcionários envolvidos em planos de participação de resultados ou bônus que simplesmente não se lembram se ganharam remuneração extra no ano anterior, de que tamanho foi a remuneração e, mais grave, que metas devem cumprir para o próximo período. “Um dos maiores desafios que encontramos ao visitar as empresas é comunicar claramente as regras de bonificação para o corpo dos funcionários, especialmente para os níveis intermediários das companhias”, conta Ana. Se pagar bônus é uma ótima iniciativa para engajar os colaboradores e melhorar a competitividade da remuneração, não calibrar corretamente os critérios de bonificação e não assegurar que todos entendam claramente o que devem fazer para chegar ao prêmio pode fazer todo o esforço financeiro da premiação não cumprir os objetivos do RH.

Na ponta do lápis
Sete dicas para montar um plano de bônus eficaz
  • Definir claramente qual o objetivo da empresa com o pagamento de bônus
  • Criar regras claras que levem em conta resultados de curto, médio e longo prazo na premiação
  • Equilibrar fatores como resultados financeiros com critérios qualitativos; índice de satisfação do cliente; clima organizacional e metas de inovação
  • Criar aceleradores, para assegurar que os times não percam a motivação após cumprir uma meta antes de seu prazo sinal. O acelerador permite prêmios extras para superação de objetivos
  • Monitorar como são as políticas de bônus de outras empresas do mesmo setor e porte.
  • Investir em comunicação interna e deixar claro quais metas devem ser atingidas ao longo de todo o ano, inclusive informando resultados parciais do período.
  • Realizar pesquisas com os funcionários para medir sua satisfação com o bônus e seu entendimento das regras e metas.

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