Ultrapassar barreiras

de Filipe Jahn em 18 de julho de 2011

Em fevereiro deste ano, Giuliano Rios, de 34 anos, soube de uma vaga para técnico em segurança do trabalho, área em que atua. Desempregado havia três meses, ele não pensou duas vezes: mandou seu currículo por e-mail e alguns dias depois foi chamado para uma entrevista.  Ao chegar no local, Rios, que é obeso, conta que desconfiou dos olhares da pessoa responsável pelo recrutamento, mas só percebeu o que eles significavam, de fato, quando as perguntas começaram. “Ela queria saber meu peso, se eu me cansava rápido, se praticava exercícios – perguntas que não tinham relação alguma com o trabalho”, lembra. E a cada novo questionamento, Rios se sentia cada vez mais constrangido.  Ao final da entrevista, a recrutadora agradeceu o interesse, mas afirmou que, apesar de o currículo cumprir as exigências, o jovem não se encaixava no perfil procurado.”Saí com a autoestima lá embaixo, sentindo-me a pior das pessoas”, lembra. Rios, que continua desempregado, diz já ter passado por situações preconceituosas no cotidiano, mas em uma entrevista de emprego foi a primeira vez – e de forma bastante clara.

Casos como o de Rios não são tão raros como se imagina. Apesar do discurso politicamente correto dos dias atuais, muitas vezes, durante um processo de seleção, o preconceito – seja pela etnia, aparência ou credo – prevalece. No que se refere aos obesos e fumantes, a justificativa de alguns é de que são pessoas mais propensas a desenvolver doenças crônicas, cardíacas e pulmonares, e, com isso, podem aumentar os gastos com planos de saúde (numa época em que as empresas buscam, freneticamente, cada vez mais, minimizar esses custos). Para se ter uma ideia, de acordo com dados da American College of Occupational and Environmental Medicine, dos EUA, a obesidade custa aos convênios médicos 73,1 bilhões de dólares por ano.

Competências ocultas
Sócia da consultoria Vereda Recursos Humanos, Beatriz Maluf conta que o problema do preconceito pode surgir quando se estabelece uma necessidade exagerada de requisitos como boa forma ou beleza, devido à grande preocupação que algumas companhias têm com a imagem. “Sei de muitos casos em que um bom candidato foi dispensado logo no início do processo, sem poder mostrar suas qualidades, por causa da aparência”, revela. Quem também conhece situações em que o preconceito em relação à aparência esteve presente durante um processo de R&S é o gerente de negócios da consultoria Across, Flávio Ponzio. Para ele, contudo, a homossexualidade é o preconceito mais difícil de lidar, pois se trata de uma orientação pessoal que poucas empresas aceitam plenamente. “E nesses casos, não há como intermediar. Não é como pedir para alguém parar de fumar ou perder peso”, afirma Ponzio.

Mas o que está por trás disso? Qual deve ser a postura do RH? Segundo consultores, a área deve conscientizar os gestores sobre a importância da pluralidade para os negócios, sobre a necessidade de ter profissionais com perfis e competências diferentes. “O RH tem de orientá-los, por exemplo, a incluir possibilidades de perfis distintos em um mesmo processo de seleção”, explica Beatriz. Segundo ela, a área de recursos humanos deve sempre levar o discurso de que a competência está acima de qualquer outro critério.

Outra postura importante para evitar o preconceito é conseguir intermediar o diálogo entre bons candidatos e a empresa contratante. O responsável pelo recrutamento deve, primeiro, conhecer o profissional que está à sua frente, sem julgar as características físicas. Se ele for o melhor para a vaga, uma negociação pode ser feita para que os dois lados fiquem satisfeitos.

Ponzio, da Across, dá como exemplo o caso de um obeso que fez uma entrevista e se destacou sobre os demais concorrentes. Em vez de ser dispensado por causa do peso e de possíveis gastos extras se fosse contratado, a empresa o contratou e propôs que ele entrasse em um programa de emagrecimento, para melhorar a saúde. Foi o que aconteceu. “O RH tem de ser formado por profissionais preparados para questionar por que não se quer um tipo de pessoa”, aponta. E esse questionamento convém se espalhar pela empresa – seja até por meio de uma lista explícita de cuidados a serem tomados para não se cair na armadilha do preconceito.

Na Brasilprev, por exemplo, há um código de conduta que todos os funcionários precisam seguir, incluindo o RH, que serve como prevenção a situações do tipo. Ele não admite nenhuma forma de preconceito, sob pena de o empregado receber advertência ou ser demitido. A gerente de pessoas da empresa, Daniela Risso, acredita que essa formalização de conduta reforça o cuidado necessário. Ela conta que há, também, uma recomendação para que o selecionador não leve os valores dele para a entrevista. “O que nos interessa é se o candidato aprovado vai conseguir trazer os resultados desejados”, ressalta.

Já na RH Internacional, uma subsidiária da multinacional Randstad Holding, há um treinamento pelo qual todos os profissionais passam periodicamente em que se discute o preconceito e as formas de impedi-lo, em qualquer situação. Segundo a diretora de recursos humanos da instituição, Helena Perdigão, a alternativa de buscar mão de obra diversificada facilita o recrutamento de profissionais qualificados. “Podemos chegar ao cliente com um leque maior de boas opções”, conclui.

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