Velha receita para quadro novo

de Patrícia Sperandio em 14 de abril de 2009
Nogueira, da Kimberly-Clark: discutir o histórico de sinistrabilidade e os indicadores de satisfação dos planos

Redução de custos. Essa é a palavra de ordem em grande parte das empresas (senão em todas) no mundo inteiro diante do atual cenário de incertezas provocado pela crise financeira que começou nos EUA como uma “marola”, no pagamento de hipotecas, e acabou contaminando a economia mundial. E quando o assunto nas organizações se volta para custos, o maior entrave tem nome: saúde. O aumento periódico dos gastos com planos e seguros de saúde torna o gerenciamento de cada um deles imprescindível para manter o caixa e os colaboradores da empresa saudáveis. E, muito mais do que gerenciar esses itens do pacote de benefícios, torna-se necessário sentar frente a frente com as operadoras para renegociar contratos e criar mecanismos para que ninguém saia perdendo.

Foi o que a fabricante de papéis e produtos de higiente pessoal Kimberly-Clark começou a fazer desde o ano passado. Uma das primeiras iniciativas dos profissionais de RH da multinacional norte-americana – presente no Brasil há 13 anos – foi “arregaçar as mangas” e iniciar uma série de negociações com os fornecedores de assistência médica para reduzir o índice de 70% de sinistralidade. A prática, além de garantir nenhum corte no quadro de funcionários até o momento, já rendeu à empresa uma redução de 5% a 7% nos custos com os benefícios de saúde dos funcionários. Além disso, conquistou outros benefícios, como agilizar o processo de reembolso, por exemplo.

Para alcançar o resultado, Sérgio Nogueira, gerente de RH da Kimberly-Clark, conta que foi importante conhecer o perfil da população de beneficiados da organização. “Discutimos, principalmente, o histórico de sinistralidade e os indicadores de utilização e satisfação dos planos”, afirma. Mas as iniciativas da empresa não pararam por aí. Por conta da indefinição sobre se essa recessão será curta ou prolongada, a organização adotou um plano de gestão para que a economia alcançada com a redução dos gastos em saúde seja revertida para o próprio benefício. Segundo Nogueira, a empresa desenvolveu um planejamento estratégico para diminuir as despesas no curto, médio e longo prazos. Uma outra prática da Kimberly nesse sentido será a instalação de um comitê médico na companhia. Previsto para ser criado ainda este mês, o comitê tem o objetivo de aprofundar ainda mais o conhecimento dos seus beneficiados, identificar os casos crônicos e criar planos de ações voltados para a saúde dos funcionários. “Ele vai funcionar como um gestor da saúde e coordenar todas as ações voltadas para essa área”, diz Nogueira. “Cada vez que você conhece mais a população, mais as ações são efetivas”, acredita o executivo.

A identificação dos casos crônicos, doenças de evolução prolongada que afetam negativamente a saúde e, por consequência, a produtividade dos colaboradores, também faz parte do plano de gestão voltado para a saúde dos trabalhadores da empresa. “Buscamos 100% de satisfação dos nossos 6,5 mil usuários de assistências médicas entre titulares e dependentes, além de alcançar custos sob controle”, afirma o gerente de RH.

Aguardar a estabilidade
As medidas de redução de gastos com o benefício de saúde dos trabalhadores vêm se tornando uma tendência entre as organizações ao longo dos últimos anos e, cada vez mais, se acentuando. Isso porque o benefício saúde é o segundo maior custo das empresas, podendo chegar a representar de 9% a 12% da folha de pagamento. Este ano, em função da crise, os benefícios voltados para essa área devem receber atenção redobrada, em especial, dos profissionais de RH. De acordo com pesquisa realizada pela consultoria Watson Wyatt junto a 242 organizações, dentre as ações que possuem maior probabilidade de execução estão a renegociação dos valores pagos como prêmio/mensalidade (38%) e a rediscussão do porcentual de sinistralidade estabelecido em contrato (33%), o que implica que as operadoras terão mais dificuldades em repassar reajustes por conta da sinistralidade para os contratos de pré-pagamento.

Já em relação aos benefícios a conceder, o levantamento mostra que a maioria das empresas irá adiar o planejamento de implantação, com destaque para os planos de previdência complementar (14%), check-up periódico para executivos (12%) e programas de assistência ao empregado (11%).

O estudo mostra também que a intenção não é reduzir o nível dos benefícios oferecidos, mas aguardar uma estabilização do cenário econômico para a tomada de decisões mais precisas acerca da implantação de novos benefícios ou de alterações profundas nos já existentes. “Acredito que o nível de estresse nas organizações esteja alto hoje, principalmente, nos setores mais atingidos pela crise”, diz o consultor sênior da prática de health care da consultoria César Lopes. Para ele, o que pode acontecer neste momento é que a sensação de incertezas desencandeie um impacto ainda maior no benefício de saúde do que foi retratado no último estudo. “A pesquisa foi feita em dezembro e ainda não tinha caído muito a ficha. Hoje, os números em relação à produção da indústria são mais fortes”, garante.

Diante desse cenário, mudar a estratégia da gestão do benefício, como faz a Kimberly-Clark, é uma das saídas que podem ser adotadas pelos gestores de RH para evitar que os colaboradores fiquem desamparados e a qualidade dos serviços oferecidos prejudicada. Mas como otimizar os recursos financeiros disponíveis nas organizações? Segundo Lopes, não existe uma receita única. O importante, nessa questão, é que as empresas façam uma análise criteriosa, buscando informações sobre a utilização do benefício, avaliando o perfil dos empregados, identificando os doentes crônicos, integrando os programas de saúde e, ainda, investindo em comunicação. “Os pilares para uma melhor economia de custos vão desde traçar um diagnóstico até chegar à comunicação”, resume o consultor da Watson Wyatt.

Mudança bem pensada
A boa gestão da saúde se transforma num benefício para todos: colaboradores e empresas. Basta lembrar que o benefício saúde é um dos itens mais valorizados pelos funcionários, constituindo-se num instrumento de atração e retenção de talentos, principalmente no Brasil, país onde a classe média chega a gastar cerca de 10% do orçamento familiar com saúde. Além disso, trabalhadores bem assistidos se sentem mais motivados e, consequentemente, faltam menos e produzem mais.

Antes de pensar em reduzir benefícios ou trocar o plano de assistência médica, por exemplo, vale tentar renegociar os custos com os fornecedores. Não é fácil mudar de operadora de saúde. Um estudo bem feito?com um cronograma de implantação correto e avaliação dos casos em andamento requer no mínimo de dois a três meses de prazo, e uma economia inferior a 7% não justifica a mudança de operadora, tendo em vista os gastos com a nova implantação e o trabalho adicional para os profissionais envolvidos nesse projeto.

Para o vice-presidente da Aon Consulting, Marcelo Munerato de Almeida, trocar o plano de saúde é uma solução que, por vezes, pode parecer adequada na hora de diminuir gastos, mas não é. “De nada adianta mudar de operadora se o novo plano não atende à necessidade da empresa como, por exemplo, não oferece a cobertura adequada ao seu público.” O especialista afirma, ainda, que essa medida deve ser pensada quando a organização pretende melhorar o atendimento do benefício.

O primeiro passo para o gerenciamento saudável do benefício é fazer o mapeamento da população da empresa. O trabalho consiste em traçar o perfil dos funcionários e gerenciar seus problemas para evitar gastos desnecessários. Para isso, é preciso conhecer a filosofia e as necessidades da organização, avisa Munerato. “O importante é entender a organização. O ramo de atividade ou a localização da empresa, por exemplo, influenciam no modelo de gestão que deve ser adotado”, completa.

Prevenir é melhor do que remediar
A frase já conhecida por muitos – quando aplicada – pode render uma boa economia para as empresas. Para isso, a prática mais comum apontada por especialistas é investir em programas de prevenção e de qualidade de vida destinados a promover a saúde dos funcionários. Voltados a cuidar mais de perto dos colaboradores com doenças crônicas, como a hipertensão e a diabetes, por exemplo, essa iniciativa também requer cuidados dos profissionais de RH antes de ser adotada. “É muito comum uma empresa gastar fortunas com programas antitabagismo, por exemplo, quando apenas 1% da sua população é de fumantes. Enquanto isso, a empresa, que tem 10% de sua população diabética, não possui nenhum programa voltado para a doença”, alerta a gerente médica da Aon Consulting, Antonietta Medeiros.

Segundo a especialista, casos como esse são muito comuns, quando não há o mapeamento da população. Um dos recursos que pode ajudar as organizações a identificar os chamados grupos de risco é o check-up, sobretudo junto a profissionais em postos-chave .

Débora, do Fleury: para cada real investido, um retorno de 1,1 real

Apesar de serem ótimos aliados para a redução da sinistralidade, os programas de prevenção não são capazes de, sozinhos, minimizar os custos com o benefício de saúde. Os custos indiretos, como o absenteísmo e a queda da produtividade também devem ser analisados. De acordo com Antonietta, esse tipo de custo chega a representar valores maiores para a empresa do que com o plano de saúde. “São uma série de outros custos que nós, no Brasil, precisamos estar mais habituados a computar”, diz a médica.

Outra prática importante para um bom programa de gestão de saúde é buscar maior comprometimento dos usuários. Sendo assim, vale criar programas para a educação dos beneficiados, com orientações sobre a utilização correta do plano de saúde. “A maioria dos assistidos, hoje, ainda não tem ideia de quanto o benefício custa para a empresa”, garante o vice-presidente da Aon. O desafio dessa e das demais práticas é manter os programas com elevada participação, que propiciem modificações de comportamentos e que se consolidem no tempo. A partir daí, finalmente, a empresa conseguirá um caixa saudável.

 

Bateria médica

Embora caros, check-ups podem ser aliados na manutenção da saúde dos principais executivos da empresa

Apesar de ser o único benefício que não cresceu nos pacotes para os colaboradores na ativa, de acordo com a pesquisa realizada pela consultoria Watson Wyatt, o check-up pode ser um importante instrumento de investimento para a saúde. Por ser considerado um serviço de alto custo – o preço varia entre 1 mil e 2 mil reais -, ele é oferecido na maioria das empresas somente aos executivos do topo. Além de antecipar alguns problemas médicos e estimular esses profissionais a terem um estilo de vida mais saúdavel, esses exames traçam programas de promoção de saúde, contribuindo para evitar possíveis gastos médicos desnecessários.

“O check-up identifica a pessoa que está prestes a ter um enfarte, assim como previne eventos que podem acontecer daqui a 10 anos. É um serviço que investiga as doenças que não se manifestaram clinicamente”, define a gerente de gestão saúde do Fleury, Débora Stiebler. Segundo a especialista, com o controle e o suporte aos doentes crônicos, a empresa consegue o retorno do seu custo com o serviço de check-up em um ano. “A cada 1 real investido para população de 10 mil funcionários, por exemplo, o retorno é de 1,1 real”, garante.

Essa equação nem sempre encontra coro. É o caso de Maurício Amaral, presidente da CarePlus. Para ele, é difícil mensurar a economia proporcionada por um programa de prevenção. No entanto, é possível imaginar as possíveis economias que uma pessoa com diabetes ou com problemas de colesterol, ou pressão, por exemplo, pode evitar caso siga com disciplina o programa de prevenção. “Qualquer internação hospitalar que se evite pode significar milhares de reais de economia. Uma semana em uma unidade de terapia intensiva de um hospital de alto padrão não custa menos do que 20 mil reais, sem mencionar os custos dos médicos e eventuais materiais especiais ou próteses que venham a ser utilizadas numa cirurgia”, diz Amaral.

 

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