Gestão

Ventos a favor

de Fernando Teixeira em 18 de abril de 2011
Os brasileiros vão cada vez mais, às compras: aumento do consumo interno ajuda a manter a remuneração em dia

O ano de 2011 promete ser tão promissor quanto 2010 em termos de remuneração. Ao que tudo indica, os reajustes salariais coletivos devem repor as perdas acumuladas com a inflação e garantir aos trabalhadores aumento real. Pesquisa realizada pela Towers Watson com 186 empresas de diversos segmentos comprova a expectativa positiva. Conforme o levantamento, 54% das companhias esperam para este ano uma reposição acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano passado, que foi de 6,47%. Nesse grupo, 59% acreditam em um ganho real de até 2%. Os 41% restantes trabalham com uma correção superior a 2%.

As perspectivas também são favoráveis para a remuneração variável, que envolve o desempenho do profissional e os indicadores estabelecidos pela organização. Ou seja, ela pode ser determinada de diferentes formas, como gratificações, prêmios, bônus, incentivos e participação acionária ou nos lucros e resultados. Nesse caso, apenas 3% das empresas consultadas estimam que os valores pagos serão inferiores aos registrados em 2010.  A maioria (44%) projeta um pagamento pelo menos equivalente, enquanto outras 25% acham que será acima. Os números evidenciam uma melhora nos resultados financeiros das companhias no último exercício fiscal.

O otimismo dos empresários está baseado nas expectativas favoráveis para a economia brasileira depois de um cículo virtuoso de crescimento nos últimos anos, com exceção de 2009, que amargou os efeitos negativos da crise financeira mundial. “A tendência de remuneração está muito atrelada no país ao momento da economia nacional. Com o consumo em alta no mercado interno, as empresas ampliam a produção e asseguram uma margem de lucro, o que por sua vez, possibilita melhores salários para seus empregados. Trata-se de um efeito cascata”, explica Christian Mattos, consultor da Towers Watson.

Sem atritos
Além disso, Mattos observa que, com o aumento da demanda, as companhias também estão preocupadas em não paralisar a produção. Evitam, portanto, entrar em choque com os trabalhadores nas discussões sobre reajustes salariais. “Isso é mais um fator que favorece os sindicatos na hora das negociações”, complementa o consultor da Towers Watson. Por outro lado, as medidas do Banco Central com o objetivo de reduzir o ritmo do crédito e intensificar a desaceleração da economia para segurar a inflação não devem afetar ao consumo a ponto de causar impacto significativo sobre as políticas de remuneração das empresas.

“Essas medidas macroprudenciais não afetam os salários e demoram para chegar aos consumidores, que vão continuar comprando”, avalia Marcelo Ferrari, diretor de negócios da Mercer. Para ele, outros fatores são mais preocupantes no momento e podem prejudicar os resultados das companhias neste ano, comprometendo os reajustes e os bônus que serão concedidos. Como exemplo, cita a instabilidade nos mercados dos EUA e da Europa, ainda envoltos na crise global, os conflitos nos países árabes, que mexem com a cotação do petróleo, e os desdobramentos da tragédia no Japão, devastado em março por um terremoto seguido de um tsunami.  

Não é à toa que as empresas que dependem das cotações das commodities e do mercado externo caminham para ter um desempenho mais fraco no que se refere à remuneração. “De um lado, a demanda dos europeus e japoneses pelos produtos brasileiros caiu por conta da situação fiscal desses países. De outro, a valorização do real diante do dólar encarece as exportações nacionais. Com isso, essas companhias tendem a estabelecer uma política de remuneração menos agressiva do que aquelas voltadas para o mercado doméstico”, ressalta Ferrari. Tanto o diretor da Mercer quanto o consultor da Towers Watson apostam que os setores de bens de consumo vão conceder os maiores reajustes para seus funcionários, justamente porque têm seus negócios direcionados ao país. 

Mattos chama atenção para o fato de que alguns setores vão ter um comportamento positivo em 2011, mas aquém do apurado no ano passado. Os metalúrgicos das montadoras, que bateram recordes de produção e vendas em 2010, se enquadram nesse perfil, pois dificilmente alcançarão um aumento salarial superior à inflação entre 3% e 4%, como aconteceu. Ferrari acredita que o mesmo caso se aplica para a construção civil, especialmente porque o governo federal decidiu cortar no começo do ano 5,1 bilhões de reais dos investimentos que pertenciam ao programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

Siqueira, do Hay Group: direcionar os esforços para os elementos intangíveis de recompensa

Bom momento
“De qualquer maneira, o cenário continua positivo”, afirma Mattos. A melhora na situação, no entanto, vem depois de um período de ajustes provocados pela crise financeira mundial, que estourou no final de 2008 e afetou os negócios das empresas em 2009. Diretor da prática de remuneração do Hay Group para a América do Sul, Carlos Siqueira argumenta que esse processo ainda não foi concluído com êxito no Brasil, embora o país tenha sido um dos menos prejudicados com as turbulências nos mercados.

“No mundo inteiro, foram necessários ajustes duros para pagar pelos pecados cometidos. As corporações perceberam que não era possível focar apenas as estratégias de curto prazo”, observa.

No Brasil, segundo Siqueira, ainda não dá para saber como as lições da crise estão sendo aplicadas. O que se pode notar, prossegue o consultor, é que superadas as incertezas globais, as empresas brasileiras encontram cada vez mais dificuldades para mobilizar e reter os talentos. “Isso se dá pela falta de profissionais qualificados em diversas áreas que atendam a todas as demandas de crescimento e investimentos. Ao mesmo tempo, o uso do reconhecimento tangível e financeiro parece chegar ao limite dos recursos disponíveis pelas empresas”, salienta o diretor do Hay Group, acrescentando que muitas empresas optaram por fazer uma revisão dos sistemas de remuneração para enfrentar os atuais desafios.

As mudanças devem estar de acordo com os objetivos do negócio. Assim, será possível garantir que o investimento realizado em remuneração seja abrangente para o empregado e gere o impacto desejado sobre o desempenho da companhia. Nesse campo, as organizações podem trabalhar em cima de componentes como salário fixo, variável de curtos e longos prazos. “Os programas têm de ter um vínculo claro com as metas e a cultura da organização. Precisam reforçar as necessidades em aspectos como inovação, aumento do desempenho, mudança de atitude sobre um determinado assunto, além de tentar entender o momento da organização e as necessidades e motivos mais inerentes dos seus colaboradores”, adverte Siqueira.

Outra opção complementar posta em prática pelas empresas, ainda que de forma tímida, foi direcionar os esforços para os elementos intangíveis de recompensa, que, segundo o diretor do Hay Group, são atualmente os de maior impacto na retenção dos talentos. Isso porque, ao oferecer oportunidades de carreira, reconhecimento, qualidade de vida e líderes preparados para lidar com os desafios do mercado de trabalho, as companhias conseguem mexer com o lado emocional dos funcionários, que se sentem mais identificados com a organização e não enxergam motivos para procurar outro emprego.

Ações de reconhecimento
“Agora, antes de pensar nisso, é importante avaliar se as condições dos elementos tangíveis de remuneração estão minimamente equacionadas. Não adianta atuar nas recompensas intangíveis se a empresa ainda tem sérios problemas em sua política salarial básica ou variável. O movimento em reconhecimento, principalmente não financeiro, pode ser mal interpretado e não obter o resultado esperado”, alerta Siqueira. Uma pesquisa recente do Hay Group captou que 81% das empresas no Brasil já contam com algum programa de reconhecimento. Esse percentual pode saltar para 90% se forem consideradas as companhias que analisam a ideia de implantar a prática. Nesse mesmo levantamento, 53% das empresas pesquisadas trabalham com o reconhecimento por tempo de casa.

Mas há também programas que reconhecem o tempo espontâneo dedicado a treinar pessoas (11%) ou para reconhecer contribuições à inovação (36%). “As possibilidades são enormes e as companhias estão atentas e conscientes sobre a importância da valorização do profissional. Os recursos humanos deixaram de ser uma área de suporte da empresa para virar um setor estratégico. Essa preocupação crescente explica o fato de ter aumentado o número de diretores de RHs”, destaca Roberta Moralez, consultora líder de remuneração da Aon Hewitt.

De acordo com ela, cresce o número de organizações que contratam consultores ou participam de palestras de consultorias especializadas para garimpar tendências e novidades do mercado de trabalho. “Isso vai ao encontro de uma pesquisa que realizamos que mostra que o salário não é tudo para o profissional, embora seja algo essencial. Nesse estudo, feito junto aos jovens talentos, o reconhecimento de liderança aparece em primeiro lugar na hora de o funcionário decidir se vai ou não permanecer na empresa. A remuneração ficou apenas em quarto lugar”, enfatiza Roberta.

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