Carreira e Educação

Visionário do e-learning

de Karin Hetschko em 7 de abril de 2014
Romain Mallard
Mallard: interagir e criar contextos são essenciais na educação

O CEO da Crossknowledge do Brasil, Romain Mallard, chega cinco minutos atrasado para o encontro no lobby de um hotel próximo à Avenida Paulista, em São Paulo. O executivo participava de um simpósio sobre educação corporativa no Brasil, que havia indubitavelmente atrasado. Muito constrangido pela situação, Mallard me pede mil desculpas pelo atraso e eu rebato, afirmando que aquele havia sido o atraso mais rápido que eu já presenciara. Mais tarde eu entenderia o porquê do mal-estar inicial. No dicionário de Mallard, não existe a palavra “atraso”, ela é substituída pelo antônimo, “agilidade”. Desde que esse francês deixou sua terra natal, aos 21 anos, para investir na educação corporativa no Brasil, ele não sossegou. Primeiro, ele estudou o mercado de e-learning por aqui. Na sequência, em 2004, fundou, com mais três sócios – dois brasileiros e um francês –, a Digital SK, que se consolidou no mercado brasileiro de ensino a distância. E, recentemente, o executivo passa por um novo desafio: dirigir a Crossknowledge do Brasil, empresa resultante da fusão, em 2013, da Digital SK e da multinacional francesa Crossknowledge. Na entrevista a seguir, o francês fala sobre o mercado de educação corporativa no país e comenta algumas tendências da área.

Como está o contexto da educação corporativa no Brasil? O senhor acredita que estamos numa fase ascendente?

Estamos numa curva de crescimento, depois do primeiro terço, mas antes da metade. O mercado brasileiro está crescendo 25% ao ano, enquanto o americano cresce anualmente em torno de 4% a 5%. Há muito espaço para trabalharmos ainda, por alguns motivos. O primeiro é a carência no sistema educacional do país. O setor privado tem de abraçar algo que o sistema educacional não assumiu. As empresas estão cientes de que seus futuros colaboradores e líderes estão sofrendo com essas carências do sistema educacional e sabem que precisam investir na formação desses profissionais. Outra razão para esse progresso é o fato de as organizações brasileiras estarem inseridas num contexto global competitivo. As companhias brasileiras estão no jogo mundial e precisam usar as mesmas ferramentas que seus competidores estrangeiros, que investem muito na educação corporativa. Também cito a imaturidade de organizações brasileiras como uma oportunidade. No Brasil, temos muita heterogeneidade – há empresas bem maduras, mas outras ainda estão com processos antigos, quase artesanais, que precisam ser modernizados.

E como a Crossknowledge do Brasil pretende trabalhar esse mercado?
A Crossknowledge foi fundada com uma ideia simples: a tecnologia pode levar a um grande número de pessoas educação de primeira qualidade. Todo ano, a empresa atende quatro milhões de profissionais com sua solução, que tem conteúdo elaborado por especialistas de grandes escolas negócios do mundo como Harvard, MIT e Oxford. Essas instituições têm em seu corpo docente grandes gurus sobre os temas que abordamos no dia a dia, que vão desde comunicação, gestão de equipe, liderança até gestão de mudança. Outra vantagem da Crossknowlege é o nosso catálogo que, em listas temáticas, possui mais ou menos 17 mil, em 17 línguas, inclusive o português brasileiro. Além disso, temos também plataformas de classificação on-line pelas quais o cliente consegue acompanhar o desenvolvimento do colaborador e trabalha rcada treinamento individualmente.

Não adianta entregar uma pílula de conhecimento; o trabalho precisa ser contínuo.
Claro. Por exemplo, apenas entregar um livro ao seu filho não é suficiente. Você precisa interagir com ele, criar um contexto para a leitura desse livro que faça sentido para o leitor. Nas empresas isso não é diferente. O trabalho do RH e dos gestores de núcleo é mostrar ao colaborador esse contexto para que ele entenda as ações da empresa; afinal, às vezes, estudar não é o foco desse colaborador, ele tem outras possibilidades de usar o tempo dele. Portanto, há essa necessidade de que alguém mostre o sentido e a importância do estudo proposto [para ele e para a empresa]. E uma vez que o curso foi criado, é preciso acompanhar esse processo, observando o avanço e dificuldades apresentadas.

Considerando o cenário atual, o ideal seria manter o sistema de e-learning com o presencial?
Existem vários indicadores que envolvem essa resposta. O fator do tamanho da organização é um deles. Investir em tecnologias é uma boa alternativa para empresas com muitos colaboradores. Há um investimento inicial maior e depois um custo variável menor. A alternativa, pelo lado do custo, é indicada para médias e grandes empresas. Também é preciso pensar do lado da eficiência, afinal ninguém quer investir na sua solução se você não demonstrar qualidade, e lembre-se: há de tudo no mercado, não só boas soluções. Acredito, portanto, que o e-learning tende a crescer a partir do momento que focarmos a qualidade educacional. O alcance do treinamento também é um fator que influencia no modelo educacional. Há muitas organizações com mais de 160 mil colaboradores que preferem o modelo de educação on-line por conta do alcance maior. E por último cito a velocidade do processo de aprendizado. Nossos clientes dizem que precisam formar novos gestores na estratégia da companhia e não têm tempo de esperar um ano para essa formação; precisam de uma equipe pronta em três meses, o que favorece o uso da tecnologia. Mas não necessariamente a gente precisa colocar o presencial e o a distância em lados opostos, há soluções híbridas que funcionam muito bem.

Quando da implantação do e-learning no país, havia certo preconceito contra esse tipo de solução; essa corrente ainda sobrevive nos dias de hoje?
O mercado de e-learning no Brasil começou a aparecer no fim do século passado e início deste. Como mencionei, há de tudo no mercado, soluções boas e ruins. É natural que o amadurecimento do mercado de ensino a distância traga mais confiança ao setor.Hoje, todo mundo sabe que dá para entregar qualidade usando tecnologia. Os estudos científicos indicam isso. Aliás, há uma pesquisa do Ministério de Educação que compilou mil estudos nos quais as pessoas comparam qual é o melhor método de ensino: com ou sem o uso da tecnologia. E o estudo comprovou que se você usa a tecnologia, mesmo de uma maneira parcial, as pessoas compreendem mais.

Uma tendência no ambiente corporativo é o uso de mídias sociais. O senhor acredita que esse investimento pode ajudar na atração e retenção de pessoas?
Sim, se o processo for bem feito. Como disse, é preciso criar o contexto, a empresa tem de ter um objetivo para criar a rede social. Um bom exemplo disso foi um projeto que conduzimos com o grupo Carrefour. Eles estavam com um problema de retenção de seus high potential. É preciso dizer que quando esse público ingressa em uma empresa ele recebe sucessivos desafios à altura do que vai encontrar mais adiante. Mas muitos desses profissionais, principalmente aqueles das gerações mais novas, se cansam desses desafios e acabam saindo da companhia. Por outro lado, você deve ter um programa que trabalha especificamente com esses high potential, mostrando que os desafios que eles estão enfrentando são compartilhados por outros, que há mentores para acompanhá-los e ajudá-los a superar essa fase. Essa troca de informações é muito rica e isso ajuda muito na retenção.

#L# O que o senhor acha da utilização de games como modalidade de desenvolvimento profissional?
Jogos educacionais são ferramentas importantes e pertinentes para a educação. Às vezes, de uma forma lúdica, é mais fácil conciliar o aprendizado. Mas nem tudo que é jogo é brincadeira, em particular na educação. É preciso tomar cuidado quando as pessoas fogem do esforço necessário para aprender. Tornar o ensino mais lúdico não vai resolver tudo, talvez o problema não seja tanto na forma, mas na pessoa que precisa internalizar o fato de que aprender envolve esforços. Outro aspecto que deve ser muito bem analisado é a questão de tornar visíveis os indicadores de treinamento. Em um processo de gamificação, que não necessariamente envolve a criação de um jogo propriamente dito, isso pode ser feito com a comunicação de um ranking dos alunos que têm maior assiduidade ao curso. Não deixa de ser um processo de gamificação, a competição funciona dentro do aprendizado e é uma tendência que tem futuro. Mas, como eu disse, é preciso tomar cuidado com os indicadores e com o fato de que nem todos os assuntos podem ser gamificados.

Por fim, qual sua opinião sobre o sistema MOOCS, que fornece conteúdo educacional on-line gratuito?
Interessante esse fenômeno que surgiu. O que a gente observa em termos de indicadores é a baixa conclusão desses cursos; apenas 4% ou 5% dos alunos concluem o aprendizado. E, na verdade, o curso não é 100% gratuito, normalmente, o modelo é gratuito, mas a certificação é paga. Ademais, quem trabalha com isso também ainda não definiu um modelo de negócio. É como ver o YouTube sem publicidade. Para haver esse modelo de negócio é preciso ter um equilíbrio. É um primeiro fenômeno que é interessante observar, só que ele precisa amadurecer para julgarmos o impacto que ele terá na educação corporativa.

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Karin Hetschko

Foi subeditora de "MELHOR - Gestão de Pessoas" e hoje é colaboradora. Sua última empreitada antes de escrever sobre gestão de pessoas foi na área de comunicação corporativa, o que lhe rende até hoje boas pautas e impressões sobre este universo.