Entrevista

A Atlas Schindler do pós-pandemia

O diretor de Pessoas e Comunicação, Carlos Augusto Jr., conta como o contexto da quarentena levou a companhia centenária a rever alguns de seus mais tradicionais conceitos

Não tem como evitar a apreensão. É um misto de vontade de voltar a uma normalidade possível, e obviamente uma apreensão que perturba um pouco ao pensar como será a proximidade social. Como será estar em contato com as pessoas? Com esse pensamento, Carlos Augusto Jr., Diretor de Pessoas e Comunicação da Atlas Schindler, inicia a conversa que teve com a MELHOR nas últimas semanas.

Dos 5.500 funcionários da companhia, cerca de 2 mil entraram em home office. Uma manobra de guerra que aconteceu no dia 16 de março e não impediu as operações de continuarem do mesmo jeito. O comitê executivo fez, inclusive, o lançamento de uma linha nova de produtos via home office em reuniões remotas, com apresentação, treinamento da força de vendas.

Fato a ser destacado, já que a Atlas Schindler é uma empresa que tradicionalmente trabalha no formato presencial.

“Até tínhamos uma política de home office, só que muito contida. Não estava na nossa cultura. A Schindler teve uma origem industrial, e toda empresa que teve uma origem industrial continua com esquema de manter expedientes e tudo o que se segue daí. Mas temos conseguido manter a produção absolutamente normal e o negócio efetivamente do home office”, afirma.

É sobre a sua experiência inusitada, de conduzir pessoas nesse momento de pandemia, que Carlos Jr., um engenheiro com alma humanista, fala na entrevista que você acompanha, a seguir.

Para Carlos Jr., da Atlas Schindler, a vida do profissional no novo normal provavelmente será mais balanceada, com a valorização de aspectos que antes tinham peso menor.

Qual será a primeira coisa que você vai fazer, quando se sentar novamente à sua mesa no escritório?

Não vamos esperar retomar para fazer algumas mudanças bastante radicais. Mas a primeira coisa, ao voltar, será estabelecer um binômio: acolher e cuidar. Nós temos consciência de que muita gente — inclusive nós e todo o comitê executivo — vai voltar diferente, com mais dúvidas e mais medos. Algo que eu já tenho feito com o meu time é acolher essas ansiedades e preocupações.

E como que se faz isso?

Ouvindo, esse é o jeito. Já é difícil olharmos nos olhos, quando temos no dia a dia o contato, quanto mais nesse momento. Nos interessa a escuta ativa, que acolhe as preocupações sem preconceito, sem julgamento, uma vez que as pessoas estão reagindo de maneiras diferentes a essa pandemia.

Um exemplo do acolher é exatamente isso. É chegar e falar: “Carlos, não estou à vontade para voltar. Eu não sou grupo de risco, não tenho nenhum problema, na minha família não tem grupo de risco, mas eu não estou legal para voltar”. Isso é acolher e cuidar, é não obrigar a voltar.

Estamos com plano de acolhimento há duas semanas. O que absolutamente não quer dizer que saibamos quando vamos voltar, mas já temos tudo planejado — como vai funcionar o distanciamento social para comer, para andar no transporte público, reunião.

Como planejam essa volta?

Não estamos esperando o fim da pandemia para retomar algumas ações. Nossa matriz tem aproximadamente mil pessoas. Então, de cara, nesse primeiro momento de retomada (não me pergunte quando será), serão 50%, no máximo. E esse prédio matriz, assim como as filiais, está preparado para isso. Seja com adesivagem no chão, sinalização de onde pode e não pode ficar. Temos regras de utilização de salas, por exemplo, uma sala com capacidade para oito pessoas agora terá capacidade para quatro. Em termos da parte fácil, está tudo pronto.

Vocês pensam em ficar em home office definitivamente?

Os planejamentos ainda estão engavetados. Eu sou do grupo que não está tão ansioso para voltar. Eu quero voltar quando for possível e seguro, e o comitê executivo está seguindo a mesma conduta.

Respondendo então à sua pergunta, sim. Não foi a decisão que tomamos, nós é quem fomos tomados pela decisão. Fomos forçados a isso. Hoje, as restrições que haviam nessa política não existem mais. Mas não dá para tentar replicar no home office ou no teletrabalho o trabalho presencial. As duas coisas vão coexistir, vão se respeitar, nessa linha de diversidade, de inclusão do pai, da mãe, de acompanhar o crescimento e o desenvolvimento dos filhos; tirar essa noção de que mulher vai ter o bebê e vai desacelerar a carreira.

Tem como prever como será a Atlas Schindler depois de assumido definitivamente o home office?

Nós ainda estamos abrindo as caixinhas do que o home office vai trazer. O fato é: o que ele vai substanciar e acelerar na questão de diversidade e inclusão, e em maneiras mais modernas de gerenciar o dia a dia.

As empresas começaram a estudar não só absenteísmo como também o presenteísmo — a pessoa está fisicamente dentro da empresa, mas a mente dela está em outro lugar.

Os estudos mostram que esse presenteísmo, elevado à última potência, é fonte geradora de acidentes. Afinal, a pessoa não está de fato presente, e se ela estiver realizando uma atividade perigosa, pode se machucar ou a outros. Ela não estará produzindo como deveria, porque não está feliz.

“Poxa, o meu filho está fazendo um ano hoje, eu quero chegar mais cedo em casa”. Isso já está mudando, já deu uma virada de 180 graus na cabeça do comitê executivo, que é o pessoal que vai influenciar, e mudou a cabeça dos gerentes. Eu não tenho dúvida de que as coisas vão mudar, vamos ser muito mais flexíveis.

O que vocês vêm utilizando como ferramentas para dar apoio aos colaboradores?

Desde 2019, estabelecemos um serviço chamado Eleve-se, que é um apoio multidisciplinar para todos os colaboradores e seus dependentes, sejam ascendentes ou descendentes. Trata-se de uma linha telefônica, em que o colaborador liga para se aconselhar, pedir ajuda quando eventualmente estiver passando por um pico de ansiedade, ou precisar de apoio psicológico. Esse serviço já funcionava antes da pandemia e, obviamente, foi intensificado em termos de comunicação e divulgação, e estendemos o serviço para os nossos parceiros e para todas as áreas e seus familiares.

Estabelecemos tudo isso para dar esse apoio para além do que o gestor direto faz. O Eleve-se é um serviço ativo também. Por exemplo: se sinto que alguém do meu time está bastante ansioso, tem faltado nas reuniões, apresenta reações diferentes e inesperadas, ligo para esse serviço e levo a questão. Como gestor, apoio o meu time de uma maneira genuína.

O serviço teve um aumento de procura de aproximadamente 50%, desde o começo da pandemia. Mas também oferece apoio pedagógico para pais e mães, financeiro, para animais de estimação etc. É bastante amplo para atender a várias demandas não relacionadas especificamente ao trabalho.

Nessa linha, nós criamos outro serviço chamado RH Atende. Uma das minhas colaboradoras mais experientes de todas que temos, com 27 anos de RH, faz esse receptivo dos nossos técnicos, dos nossos colaboradores, sobre dúvidas quaisquer. Desde como será a gestão do banco de horas, questões com médico, o que tem ou não tem direito.

Estamos associados ao Instituto Tadashi Kadomoto, que é um super terapeuta holístico, um profissional bastante interessante. Fizemos duas sessões de mentoria com ele para todos os 200 gestores, falando muito de inteligência emocional, de comunidade, de amor — coisa que não falaríamos na companhia.

Como é fazer a Gestão de Pessoas do RH e a Comunicação?

Os dois são serviços muito interligados. E tanto a comunicação interna e a externa precisam funcionar, conversar com os nossos clientes do que estamos fazendo, de como estamos cuidando deles, de como estamos cuidando da nossa equipe no front. É fundamental a comunicação. Ela é mais do que um vetor, ela é um vetor que espalha, que consegue irradiar tudo o que pensamos, tudo que temos no coração e na cabeça em termos desses programas, de desenvolvimento de pessoas, de saúde e bem estar.

Eu diria que comunicação tem um protagonismo idêntico ao das próprias atividades dos processos do RH. Não há como desvincular. E independentemente de estar comigo, ou não, tenho certeza que isso é a cultura da Schindler.

A comunicação sempre foi um item de destaque nas mesas de decisão. Não adianta ter o melhor programa do mundo sem essa sinergia, essa simbiose, se ele não chega de uma maneira acolhedora, que traga propostas para as pessoas. Essa é a função da comunicação e de suas ferramentas.

A sua equipe, que trabalha no RH diretamente com você, é formada por quantas pessoas?

Eu tenho aproximadamente 75 pessoas diretas, uma vez que não só RH e Comunicação estão comigo, mas também Infraestrutura e Sustentabilidade. Então imagina, infraestrutura cuida de todos os planos de todas as filiais, de retomada, de higienização. Então a minha vida tem sido bastante agitada nesses últimos dias.

As pessoas, de modo geral, têm a sensação de que estão trabalhando mais? Elas têm trazido isso até você?

Nós percebemos isso em conversas mais informais. Eu não diria que elas trabalham mais, mas acho que a produtividade está diferente, isso eu consigo afirmar. O que eu vejo dos meus colegas e da minha equipe direta é uma confirmação disto, que estamos namorando: o tema do teletrabalho.

As pessoas falam que estão trabalhando muito, mas elas também estão muito mais próximas de suas famílias. É comum o relato: “Ontem, parei às 14 horas para ajudar o meu filho em uma aula virtual, e depois voltei e trabalhei até as 20 horas”.

Por outro lado, traz essa flexibilidade também, de você efetivamente afirmar que o que importa é o resultado, não a presença. Isso está se mostrando muito real. Para dar o meu exemplo, eu saio para andar às 3 horas da tarde, e depois retorno ao trabalho e está tudo bem. Sendo sincero, acho que está muito mais balanceado.

O profissional que teremos no novo normal será mais balanceado e vai conseguir dar mais valor às coisas que ele não dava, como o convívio familiar, atividades físicas, meditação, comer melhor. Tudo aquilo que falávamos de equilibrar trabalho com vida pessoal, nós fomos forçados a fazer. Hoje estamos fazendo não porque queremos, mas porque precisamos.

No novo normal, acho eu, faremos porque queremos, não porque precisamos. Essa vai ser a grande diferença, a grande mudança. Vamos fazer assim porque percebemos que é possível, pois está tudo sendo feito, está tudo sendo entregue.

Vocês estão refletindo sobre o que as pessoas vão precisar? O que irá mudar em termos de benefícios?

Nós já temos um benefício bastante competitivo na área da saúde, odontologia e suporte psicológico, além de outros programas ligados a nutrição, a academia, dois dos nossos sites têm academia com instrutor. Nós prezamos muito por isso. O que eu percebo em relação ao plano é que há uma grande tendência que se mostrou de telemedicina, é algo que veio para ficar.

Nós perdemos o preconceito com isso, pois não queremos, no futuro breve, estar em instalações médicas, simples assim. Acho que vai ter essa mudança de mídia. Ela já é um fato e será intensificada.

Nós vamos ter um gasto em saúde privada menor em correção e maior em prevenção. Geriatria, ginecologia, urologia, psicologia, acupuntura etc. Também um aumento de consumo de exames laboratoriais. Estamos, então, nos preparando para a telemedicina e para uma migração dos custos; o que, de um ponto de vista empresarial, é interessante. Atuar na prevenção é muito mais confortável para a nossa população do que atuar na remediação.

E sobre as contratações? O processo será diferente daqui para frente?

Com certeza. Já fizemos algumas incursões, eu fiz algumas entrevistas remotamente no período pré-pandemia e a coisa funciona perfeitamente bem, as ferramentas são ótimas, disso eu não tenho dúvida.

Nós não fizemos demissões, também não adotamos medidas de restrição salarial. Preferimos fazer os sacrifícios internos em termos de custos de outras áreas, investimentos, projetos que temos condições de adiar, do que efetivamente fazer uma demissão em massa. Primeiro por sermos um serviço essencial e segundo porque preferimos que se lembrem de nós como uma empresa que não fez isso. Eu sei que muita gente fez, é legítimo, está na lei. Mas tomamos a decisão. As notícias já são ruins o suficiente para a gente dar mais essa. Então fomos nessa linha de apertar ainda mais o cinto.

Continuamos contratando e promovendo pessoas internamente a cargos executivos — movimentações que fazíamos antes da pandemia, continuamos a fazer. Essa é uma empresa de 102 anos. Não teria existido por tanto tempo se não pensasse um pouco mais para frente de sua situação atual. Internamente a vida está continuando. Obviamente isso impacta nos custos, mas acho que os benefícios colaterais são muito mais interessantes. [Inês Pereira]

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