Carreira e Educação

A corrida pela educação

de Felipe Falleti em 21 de junho de 2010
Pitombo, do Ibmec: as companhias que sem ensino e gestão excelente não conseguirão superar o mau momento

Faltam vagas para diretores, gerentes e gestores. Não estamos falando de postos de trabalho, onde há um crescente número de oportunidades para cargos de alta remuneração, muitas ainda disponíveis por falta de mão de obra qualificada. Faltam vagas nas cadeiras escolares dos cursos de MBA, pós-graduação e especialização em marketing e administração. Quem visitar uma sala de aula da FGV, em São Paulo, ou do Ibmec, no Rio, num dia de semana qualquer à noite, terá dificuldade em encontrar uma carteira vazia.

Nas duas instituições foram criados, em 2010, cursos vespertinos durante a semana e aos sábados para suprir a demanda das empresas nacionais no objetivo de qualificar seus gestores. “Há uma procura dupla por cursos este ano: de um lado estão as companhias com demanda retraída, tentando recuperar os investimentos que adiaram em 2008 e 2009, em função do temor de crise. Por outro lado, há uma demanda totalmente nova, fruto do crescimento acelerado da economia neste primeiro semestre e o surgimento de novas necessidades dentro das empresas”, explica o professor Antonio Carlos Pôrto Gonçalves, vice-presidente executivo da FGV in Company, área da Fundação Getulio Vargas especializada em formar lideranças corporativas.

Segundo Gonçalves, as empresas brasileiras adotaram uma cautela excessiva nos últimos trimestres, protelando a contratação de cursos que, muitas vezes, custam dezenas de milhares de reais por aluno. Com a melhora de perspectiva econômica, projetos de investimento saíram da gaveta rapidamente, mas a formação de mão de obra não acompanhou a velocidade dos projetos das corporações. “Formar um bom profissional é uma tarefa que leva anos e não é possível recuperar de uma hora para outra o tempo perdido”, diz o especialista.

Pesquisador da qualidade da gestão nas empresas públicas e privadas do Brasil, o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP Roy Mantelarc é mais incisivo na crítica. Para ele, o Brasil vive um apagão de mão de obra qualificada que deve reduzir a velocidade de crescimento das empresas no médio prazo. “Se você precisar contratar um presidente de empresa ou alto executivo, terá sucesso, pois há bons nomes no mercado. Mas, quando as companhias precisam preencher cargos de direção executiva ou de gerentes seniores, há uma enorme dificuldade de recrutamento”, diz o pesquisador. Para ele, a maior inserção das empresas brasileiras na economia internacional e a expansão de setores como infraestrutura e indústria de energia geram uma demanda por executivos qualificados acima da capacidade das escolas em formar bons profissionais. Gonçalves, da FGV, concorda.

“Os cursos que mais têm demanda neste ano são os ligados ao comércio internacional e de gestão de projetos de investimento, notadamente nos setores de energia, petróleo e infraestrutura”, diz. Ele aponta, ainda, uma quarta área carente de bons profissionais: os hospitais. A melhora contínua na renda do trabalhador nos últimos sete anos levou uma massa de brasileiros a aderir a planos de saúde, turbinando os lucros dos hospitais privados e demandando novos gestores para organizar estes investimentos.

Saber investir
A procura por cursos executivos cresce, no início de 2010, a uma velocidade bem acima da média de expansão da economia. Escolas que ministram aulas para executivos avaliam que, na média, a busca por cursos de especialização cresceu 20% este ano, em comparação com o primeiro semestre de 2009. Para Gonçalves, a pressa em retomar cursos corporativos deve-se ao temor das companhias em perder oportunidades no mercado ou tomar decisões de gestão erradas. “No momento em que decidem investir para ampliar os negócios, as empresas querem se cercar de todas as informações possíveis de que os recursos financeiros terão o retorno esperado. O maior medo de um investidor produtivo é tomar uma decisão errada e amargar prejuízos enquanto seus competidores ganham mercado. Daí a urgência em qualificar quem toma decisões”, diz o vice-presidente da FGV.

O gerente de cursos corporativos do Instituto Ibmec, Eduardo Pitombo, explica que o momento de maior aquecimento dos cursos dessa natureza levou as escolas a desenvolver novos programas a fim de atender às necessidades do RH das médias e grandes empresas brasileiras. Para o gerente, além dos cursos de longa duração como MBA e pós, que podem levar até dois anos para ser concluídos, as escolas têm se esforçado para desenhar cursos específicos, com duração mais curta, de um semestre, por exemplo, a fim de atender necessidades específicas.

“Formar um gestor dentro dos critérios de leitura e pesquisa de um MBA é uma forma mais completa de qualificar um executivo. Mas imagine uma companhia que está montando agora uma nova operação de comércio exterior ou que assumiu novos clientes; ela precisa tomar decisões já e, para isso, cursos de curta e média duração podem atender a estas necessidades”, diz. Na avaliação de Pitombo, os cursos rápidos não substituem a solidez cultural que uma especialização mais complexa dá a um executivo, no entanto, a educação pontual pode fornecer as ferramentas de análise de dados e gestão necessárias para um determinado gestor minimizar os riscos numa decisão de investimentos ou avaliação de mercado.

Segundo Mantelarc, da FEA/USP, uma alternativa que o RH das empresas deve avaliar quando promove gerentes a cargos de direção sem que esses profissionais tenham feito, antes, um MBA é matriculá-los em cursos específicos de uma ou duas semanas ou, ainda, apostar em workshops com conteúdos específicos das áreas em que atuarão. Assim, uma empresa que decide criar uma divisão de telecom ou comércio com a China, por exemplo, e não encontra profissionais especializados nesses temas no mercado, pode promover alguém de sua equipe interna e qualificá-lo nesses assuntos. “Um workshop de dois dias pode dar as diretrizes da legislação brasileira de telefonia e apresentar o novo gestor a casos bem-sucedidos e fracassados neste setor, do mesmo modo, um curso rápido pode assegurar que o novo diretor para relações com a Ásia tenha um repertório mais completo das características de negociar com chineses e realizar transações cambiais com eles”, exemplifica.

Planejamento prévio
O crescimento do número de cursos de curta e média duração ocorre em um contexto particular que opõe o forte temor de crise, registrado no fim de 2008, e a acelerada expansão econômica do país no início de 2010. Essas características particulares podem dar, segundo Mantelarc, a falsa impressão de que as empresas relaxaram no cuidado com a educação corporativa. Para ele, esse tipo de processo é comum em momentos de inversão de expectativas econômicas. “Um olhar mais aprofundado, observando os últimos dez ou vinte anos de educação corporativa no Brasil, permite dizer que as companhias nacionais estão melhorando progressivamente a qualidade de seus gestores e investindo mais em educação que em anos anteriores”, diz o professor.

Pitombo, do Ibmec, avalia que a demanda por mais educação nas empresas é progressiva e inevitável, ainda que esse setor esteja sujeito a oscilações no nível de investimento, como qualquer outro segmento econômico. “Mesmo nos momentos de crise mais aguda, as companhias têm a percepção de que sem ensino e gestão excelente não conseguirão superar o mau momento”, diz.

A característica particular da educação, porém, é que, ao contrário de outros setores da economia, ela deve ser planejada com grande antecedência, já que o conhecimento requer tempo para ser assimilado e a boa formação de gestores depende de um planejamento de médio e longo prazo dos departamentos de recursos humanos. Na visão de Mantelarc, a máxima “a educação é uma prioridade” já foi assimilada para corporações nos níveis mais elevados de gestão, o que permitiria apontar que nos próximos anos haverá diretores e gerentes bem qualificados à frente das funções mais estratégicas das empresas. O pesquisador alerta, no entanto, para o desafio de treinar os colaboradores que exercem funções intermediárias, como gerentes de médio poder de decisão e jovens trainees. “Do ponto de vista dos cargos de direção, os RHs estão bem preparados e estruturados. O desafio para a próxima década será as empresas qualificarem também os colaboradores de nível médio, assegurando a descoberta e a formação dos jovens talentos e tornando toda a corporação mais competitiva e produtiva e não só uma parte dela”, acrescenta.

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