Entrevista

A máquina jamais substituirá o toque humano

Melhor entrevista Brigette McInnis-Day, vice-presidente de RH da SAP

de Redação em 30 de novembro de 2016

“O RH do futuro não será feito a partir de práticas do passado”. A afirmação é de Brigette McInnis-Day, vice-presidente de RH da SAP. Para ela, as organizações e o RH devem ficar atentos às mudanças, principalmente tecnológicas, que acontecem fora da empresa e tentar levá-las para dentro das companhias, agregando assim valor ao consumidor.

Brigette McInnis-Day, vice-presidente de RH da SAP

Em visita ao Brasil para o SAP Fórum 2016, a executiva de RH da multinacional alemã conversou com a redação da MELHOR. Na entrevista, Brigette fala sobre temas latentes no universo da gestão de pessoas, tais como a configuração do mercado de trabalho na quarta Revolução Industrial, que já está em curso em alguns países, novas técnicas de recrutamento e seleção e de habilidades requeridas no mercado ditado por tecnologias digitais. Confira.

A senhora acredita que o RH terá um papel vital na quarta Revolução Industrial?
Eu definitivamente acredito que a área de gestão de pessoas será uma das primeiras a conduzir essa transformação. O RH deve ajudar as organizações a suportar as transformações tecnológicas de forma rápida, provendo treinamentos e formação para lidar com essas mudanças. Temos sempre de analisar a história sob duas perspectivas: consumidores e funcionários. Temos de pensar que as pessoas hoje fazem compras online, que elas são atendidas virtualmente pelos seus bancos e que elas querem ter a mesma experiência em casa e no trabalho. A área de RH precisa ficar atenta a isso. Acredito ainda que o RH pode ajudar a mostrar para os colaboradores como o mercado de trabalho será no futuro.

Quer dizer que se as empresas não atenderem a algumas demandas dos colaboradores elas podem padecer da fuga de talentos?
Sim, não apenas os colaboradores, as organizações também precisam ficar atentas às mudanças que esse novo mundo traz. O ideal de ter um empregado o tempo todo no local de trabalho ou de ter um colaborador que permaneça a vida inteira numa organização faz parte do passado. Se as pessoas não tiverem suas necessidades pessoais atendidas pelas empresas, elas vão deixar de atuar nas grandes companhias para empreender, por exemplo.

Acredita que o RH está preparado para essas mudanças, ou provavelmente a área terá de rever muitas de suas práticas?
Algumas organizações já avançaram muito com relação ao tema, outras nem tanto. Veja este exemplo: uma amiga minha pediu para trabalhar home-office pelo menos uma vez por semana. Ela era considerada uma high-potential por essa companhia, sempre entregando com excelência seu trabalho. Contudo, a empresa não queria abrir exceções em suas políticas de RH. A organização tentou convencê-la a permanecer na empresa, provendo benefícios financeiros e promoções para ela, mas se recusava a liberar um dia de home-office, até que ela não aguentou e pediu demissão. Nesse momento, a empresa teve de repensar o caso, afinal essa minha amiga era uma funcionária importante para o modelo de negócios da companhia. Fim da história: eles a contrataram de volta como empregada temporária, que pode trabalhar home-office todos os dias e, nessa nova configuração de trabalho, ela passou a ganhar três vezes mais do que ganhava antes. Portanto, o meu recado para a área de RH é: escute e analise mudanças a partir das diferentes ideias que seus colaboradores estão trazendo. O RH do futuro não será feito a partir de práticas do passado. Inove!

A senhora acredita que o RH pode conduzir a inovação nas companhias?
Digo que bons profissionais na área de RH possuem o que chamamos de batimento do coração dos negócios. Eles compreendem a cultura, a missão e os valores da empresa e conseguem facilmente detectar questões delicadas relacionadas aos temas e conduzi-los da melhor forma possível. No entanto, precisamos ficar mais atentos às mudanças que acontecem fora da companhia e sermos mais estratégicos. Temos, por exemplo, de pensar como novos processos de RH podem ajudar nossos consumidores. Nesse contexto, sim, o RH pode conduzir inovação. Mas sempre envolvendo as demais áreas nesse processo. Todas as pessoas envolvidas na mudança devem participar da construção delas; não podemos assumir novos processos apenas na base do “achismo”.

Muitos dizem que a quarta Revolução Industrial implicará a perda de diversos postos de trabalho. O que a senhora acha disso?
Eu não sei exatamente como vai ser o desenrolar dessa história, no entanto, de uma coisa tenho certeza: sempre precisaremos de um toque humano nas relações de trabalho; e isso não morrerá com a quarta Revolução Industrial. Podemos fazer muitas coisas a partir da tecnologia e, de fato, ela substituirá alguns tipos de trabalho que, hoje, são realizados pelo homem, inclusive, trabalhos mais analíticos, mas nunca substituiremos o toque humano. Sempre digo: observe o cenário e faça a reflexão se na sua profissão novas habilidades são requeridas. A evolução das carreiras depende de cada um. Sendo assim, esteja constantemente aprendendo, se desafiando e buscando conhecimentos em novos campos. Nós, da área de recursos humanos, por exemplo, somos muito bons em analisar situações e pessoas e, a partir daí, prover solução. Também temos a habilidade de conduzir conversas e debates difíceis de forma empática. Essas habilidades jamais serão substituídas por uma máquina.

De que tipo de competências o mercado de trabalho precisará num futuro próximo?
As empresas têm entrado em disputa no mercado de trabalho por profissionais da área da ciência da computação e da área de engenharia. Elas também estão procurando por talentos high-tech – os chamados nativos digitais, aqueles que, como meu filho, com apenas um ano de idade, já sabem mexer intuitivamente num iPad. Ademais, as organizações também têm exigido habilidades sociais de seus candidatos. A meu ver, essas habilidades serão para poucos no futuro, visto que vivemos numa época em que os namoros são iniciados e desfeitos online por mensagens de celular e de redes sociais. Outro requisito será a agilidade de pensar de forma diferente o tempo todo e de lidar com a inteligência emocional.

Como será feito o processo de recrutamento e seleção, observando essas habilidades acima descritas?
Além dos requisitos mencionados, o mercado também está de olho em quatro requisitos fundamentais para a quarta revolução: habilidades em mídias sociais; armazenamento de dados em nuvem; Big Data; e mobile. No Brasil, creio que isso ainda não acontece, mas em outros países já estamos observando esses pré-requisitos em algumas vagas-chave para a companhia. Estamos colocando a seguinte questão antes de contratar alguém: essa é a melhor pessoa para falar de estratégia num mundo digital? E confrontamos essa pergunta com o histórico desse candidato nas redes sociais e blogs que ele segue e redige. Observamos se ele é considerado um influenciador por seus pares na rede, por exemplo. Também analisamos que tipo de post ou blog ele comenta ou escreve. Consideramos isso o rastro digital do candidato. Por isso digo que a pessoa, além de ter um plano na carreira, precisa também ter um plano digital. Sim, diariamente, ela deve pensar em como se comportar nas redes sociais, como gerar o engajamento digital e que tipo de blogs e influenciadores deve seguir.

A senhora acredita que as lideranças nas organizações estão preparadas para esse futuro?
Eu acredito que nunca se está preparado para o que não se conhece. É como ser mãe ou pai de primeira viagem. Você observa seu filho e diz: ‘Meu Deus, esse é meu filho? O que eu supostamente devo fazer agora?’. Apesar de as companhias e o RH dessas organizações tentarem preparar os líderes para esse futuro, é inevitável que eles cometam erros nesse processo. E isso não é bem um problema, já que todos aprendemos com os erros. Se não passamos por esse processo, acabamos no status quo. Portanto, meu conselho para os líderes é que arrisquem mais, contratem pessoas diferentes, com habilidades necessárias para o futuro e deem suporte para os seus liderados. E não se preocupem em se sentir inconfortáveis em determinadas situações. Isso acelera o crescimento profissional (e pessoal).

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