Gestão

Abordagem cuidadosa

de Gabriel Jareta em 12 de agosto de 2010

O aumento da expectativa de vida do brasileiro nas últimas décadas está impondo um desafio às organizações: como contribuir para que seus funcionários possam ter uma vida produtiva e saudável após a aposentadoria. Para especialistas, a possibilidade de pendurar o paletó para poder passar o dia de roupão e chinelo e assistir à sessão da tarde é uma ideia que aos poucos vai perdendo força entre trabalhadores na faixa dos 50 anos. Do mesmo modo, a expectativa de preencher os dias sem trabalho cuidando de uma chácara ou viajando pelo mundo também são sonhos com data de validade para a maioria dos brasileiros.

“A pessoa se aposenta e compra uma chácara porque está cheia do ambiente corporativo, mas no terceiro mês já volta [para a cidade] e percebe que não tem com quem conversar, não tem em quem mandar”, conta o gestor de carreiras José Floro Sinatura Barros, responsável por implantar projetos de preparação para a aposentadoria em organizações. Para ele, o principal objetivo é fazer com que os trabalhadores tenham consciência do que pretendem para o futuro – que sempre parece distante demais para ser levado a sério. “O mais difícil é conseguir esse olhar de longo prazo. Ele [o funcionário] pensa na empresa em longo prazo, mas não nele mesmo”, diz.

A preocupação em preparar os colaboradores para esse momento – em geral, difícil – de transição deve se basear, hoje, em uma abordagem em muitas frentes: desde as questões práticas, como o que fazer para gerar renda além da aposentadoria ou como escolher um bom plano de saúde, até aspectos mais delicados, como a manutenção da saúde mental. Afinal, assim como acontece em nível mundial, a expectativa de vida ao nascer avança no Brasil a passos largos e é natural esperar que um trabalhador que se aposente hoje possa viver pelo menos mais duas ou três décadas de maneira ativa. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida dos brasileiros atualmente é de 72,9 anos, em média, segundo dados de 2008 e sem distinção de sexo. Como comparação, em 1998, a expectativa era de 68,1 anos, e, voltando para 1960, esse número era de 54,6.

Mesmo assim, são poucas as empresas brasileiras que se preocupam em garantir benefícios aos aposentados ou mesmo projetos de preparação para esse momento. De acordo com uma pesquisa recente conduzida pela Mercer junto a 205 empresas, apenas cerca de 30% mantinham algum tipo de política para esse público, como plano de saúde ou odontológico – um índice ainda menor, de 10% das organizações entrevistadas, propicia seguro de vida para os aposentados. Segundo o consultor Francisco Bruno, da Mercer, mesmo entre aquelas empresas que concedem planos de saúde, grande parte só faz isso por obrigatoriedade legal (leia mais no box Planos de saúde em questão). Pelo contrário, o que a pesquisa revela é que somente 12% das empresas que oferecem assistência médica para os aposentados mantêm essa prática exclusivamente por uma política de benefícios. Para Bruno, é muito raro encontrar uma empresa que tenha a mesma política tanto para os funcionários ativos quanto para aqueles que já se aposentaram. “Essa meia dúzia de empresas que consegue manter [a mesma política] são multinacionais de origem europeia que desenharam sua política de benefícios há muito tempo”, afirma. Por isso, está se criando um consenso de que o funcionário deve tomar as rédeas de seu futuro pós-empresa – e o RH tem o papel de contribuir para esse processo. “A única maneira, hoje, de fazer isso é orientar o empregado”, diz o consultor.

Educação e emoção
Na opinião de Andréa Campos, líder da prática de consultoria de benefícios, aposentadoria e serviços atuariais da Hewitt Associates, o trabalhador brasileiro ainda não está bem preparado para lidar com questões financeiras após a aposentadoria. “O papel da educação financeira previdenciária é muito importante no sentido de estimular o planejamento financeiro e a formação de poupança previdenciária de longo prazo, capaz de oferecer a manutenção do padrão de vida no momento da aposentadoria”, afirma. Para ela, o RH deve interferir, promovendo maior acesso a informações e criando canais de comunicação para alertar sobre a importância dessa educação. Andréa conta que nos EUA alguns clientes da Hewitt têm usado mídias como o Twitter para publicar “lembretes” sobre os planos de aposentadoria, assim como mantêm blogs com relatos de trabalhadores que passaram ou estão passando por esse período de transição. “Os participantes são encorajados a publicar histórias de ´como eu economizei´ ou ´como eu me aposentei´, uma vez que esses depoimentos têm um impacto maior do que comunicados formais da empresa”, relata.

A abordagem a esse componente “emocional” do momento de transição é uma das principais preocupações dos consultores, já que a aposentadoria é um momento de ruptura no estilo de vida. “Desvencilhar-se do ´sobrenome´ da empresa é muito difícil”, afirma Irene Azevedo, consultora da DBM. Daí a necessidade de pensar sobre as expectativas, os valores, as fraquezas e, principalmente, as oportunidades que a aposentadoria proporciona. “É preciso reativar a rede [de contatos], ter indicações. Hoje, há muitas possibilidades para um profissional experiente, como, por exemplo, prestar serviços pontuais”, diz Irene.

Segundo José Floro, as dinâmicas de autoconhecimento e reflexão sobre a carreira dentro das organizações auxiliam o trabalhador em vias de se aposentar a entender esse novo momento. “Muitas vezes, o funcionário simplesmente não consegue se desligar”, diz. Para o consultor, esse trabalho de preparação permite ao trabalhador entender que ainda pode ser produtivo, mesmo fora da empresa à qual esteve ligado por tantos anos. “De acordo com o perfil, é possível enxergar várias opções em que esse funcionário teria sucesso na aposentadoria: em um negócio próprio, em uma empresa pequena ou como voluntário”, aponta.

Por outro lado, em relação à empresa, quando os mais antigos de casa começam a se aposentar, outra questão entra em cena: a perda da “reserva” de conhecimento prático do dia a dia, daquele funcionário que consegue transmitir a segurança de quem já passou por décadas de transformações na organização. Reter esse bem “intangível” é um desafio para o RH, diz o presidente da Empreenda e consultor César Souza. “A primeira coisa a fazer é desenhar uma nova política ou diretriz que permita recontratar os aposentáveis e engajá-los como mentores dos novos colaboradores que estão entrando na empresa. Sabedoria não envelhece nunca”, ressalta Souza.

Cinco, dez ou desde o início
O momento de começar a discutir com a equipe a respeito da aposentadoria ainda não está claro para grande parte dos profissionais de RH. Embora em condições ideais essa preocupação devesse fazer parte da carreira profissional desde o princípio, consultores afirmam que, quanto antes a preparação começar, melhor. “Da mesma forma que o RH desenvolveu políticas de estagiários e de trainees e dispõe de programas e rotinas de indução de novos funcionários, o RH precisa desenvolver políticas, práticas e rotinas para aposentáveis”, declara Souza. Para ele, cinco anos antes da aposentadoria é um bom período para discutir o tema.

Já para José Floro, essa preparação deve ter início dez anos antes da data prevista, principalmente porque a família deve estar envolvida nas decisões. A experiência tem mostrado, porém, que está surgindo um interesse de trabalhadores na faixa dos 30 anos em já pensar no futuro em relação à previdência complementar e aos propósitos de vida. “Atualmente, as dificuldades de viver apenas com o valor da aposentadoria estimulam os mais jovens a pensar no assunto”, afirma Floro. Mesmo assim, ainda não é comum encontrar empresas que direcionem a educação previdenciária e financeira para os mais jovens. Ao contrário, diz Irene Azevedo, organizações que preparam essa discussão para trabalhadores a dois anos da aposentadoria já podem ser chamadas de “inovadoras”. “O papel estratégico do RH é entender o que cada população da empresa tem como necessidade, e hoje quem entra já está preocupado com a previdência privada”, diz.

Planos de saúde em questão

Um dos principais impasses das empresas em relação aos aposentados é sobre a extensão da cobertura dos planos de saúde a esses ex-funcionários. Pela lei 9.656/98, que rege os planos de saúde, o trabalhador que tem uma parcela fixa de contribuição no plano oferecido pela empresa tem direito ao benefício após a aposentadoria, desde que assuma o pagamento integral. Se por um lado isso acaba criando um passivo indesejado para os cofres da empresa – afinal, a expectativa de vida é crescente e o número de aposentados é cada vez maior -, por outro a alternativa possível é encarregar o funcionário da integralidade do pagamento, de maneira a “se livrar” desse ônus dos inativos. Uma alternativa nada positiva do ponto de vista social.

Na opinião do consultor da Mercer Francisco Bruno, empresas e funcionários precisam rediscutir os atuais modelos – mesmo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não vê a atual regulamentação como ideal. Essa discussão envolve trabalho de informação sobre planos mais vantajosos que podem ser adquiridos por conta própria ou mesmo a possibilidade de criar um fundo nos moldes do PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre). “Nesse modelo, empresa e empregado contribuem para um fundo que vai se capitalizando e com incentivo fiscal. Seria um dinheiro carimbado para o plano de saúde na aposentadoria”, explica.

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