Gestão

Ações de alta prioridade

de Natalia Gómez, Gumae Carvalho em 10 de fevereiro de 2012
Adiano Vizoni
Portugal, da Accenture: empresa oferece um programa global que promove quatro encontros de talentos por ano

Engajados, cheios de iniciativa e com resultados acima da média de seus pares, os talentos ou high potentials (alto potencial, em inglês) têm o perfil dos sonhos de qualquer companhia. Respondem com rapidez aos incentivos oferecidos e apresentam um desempenho consistente. Mas muito além das características inatas de cada indivíduo, a formação de profissionais com este perfil depende – e muito – de iniciativas das próprias empresas. Saber identificá-los é o primeiro passo, mas também é preciso oferecer instrumentos para seu desenvolvimento, seja em formação ou no dia a dia do trabalho.

Embora muitas empresas saibam que cuidar desse pessoal é importante, não são todas que se dedicam a essa tarefa. Ao menos essa é uma das conclusões da pesquisa High potentials, talentos e sucessão no Brasil, feita pela Fundação Getulio Vargas e divulgada com exclusividade por MELHOR. Dos 457 profissionais de RH ouvidos, apenas 39% disseram existir um programa em suas empresas dedicado a identificar e monitorar de forma sistemática talentos e high potentials.

Amostra qualificada
O levantamento foi feito pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional da Fundação Getulio Vargas. Participaram 457 profissionais de RH de todo o país. Eles foram convidados a responder um questionário on-line, entre os dias 22 de novembro e 8 de dezembro do ano passado. Dos participantes, a maioria ocupa cargos de média e alta gestão. A amostra foi composta por 32% de homens e 68% de mulheres, sendo que 87% possuem pós-graduação. A faixa dos respondentes concentra-se entre 30 e 49 anos. Trata-se de uma amostra qualificada, com concentração de profissionais nas classes A e B com mais de 10 anos de profissão.

“E das que não possuem esse tipo de programa, 36% pretendem implantar”, diz Verônica Mayer, coordenadora da pesquisa. Das que possuem, nossa reportagem foi buscar algumas das práticas que fazem parte desses programas. Conversamos com os principais executivos de RH da Accenture, Pepsico, PwC, Grupo Algar e Anglo American e percebemos que estas cinco companhias têm algo em comum: todas se preocupam diariamente com seus colaboradores de alta performance e contam com processos para mapeá-los em seus quadros e incluí-los em programas especiais, além de garantir que eles estejam na linha de frente dos processos de sucessão. “Neste último aspecto (sucessão), vale lembrar que a grande maioria dos respondentes disse que entre as maiores dificuldades está ter profissionais com as habilidades necessárias e com perfil de liderança”, acrescenta Hélio Arthur Irigaray, coordenador do curso High Potential Leader, criado recentemente pela FGV para reforçar a necessidade de preparar os líderes de amanhã.

E quais os caminhos para isso? A avaliação de desempenho é uma das ações usadas pelas empresas para identificar os talentos. Esse item foi indicado por 94% dos entrevistados como parte dos programas de gestão de talentos e de high potentials. “É interessante destacar esse aspecto em função das características desses profissionais, na visão do RH”, comenta o professor. “Capacidade de executar planos e obter bons resultados e desejo de enfrentar novos desafios foram algumas das citadas e nos remetem de imediato a desempenho”, diz. Na Accenture, empresa global de consultoria de gestão, serviços de tecnologia e outsourcing, as pessoas que apresentam boa avaliação por pelo menos três anos seguidos são identificadas como talentos, e podem então participar de programas específicos para desenvolvimento de lideranças.

As avaliações anuais são baseadas em três pilares. Um deles, chamado de criação de valor, é a capacidade de desenvolver e entregar soluções relevantes; o segundo é a capacidade de desenvolver pessoas e o terceiro é o conhecimento para operar o negócio no dia a dia. “Quem se destaca ao longo dos anos vai ficando no topo”, afirma o executivo da área de talentos da Accenture, Guilherme Portugal. Em alguns casos, outros instrumentos são usados em conjunto com as avaliações de desempenho para identificar os profissionais de alto potencial dentro da corporação.

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Na Pepsico, existe um processo chamado People Planning que mapeia os colaboradores. Há quatro classificações possíveis: high potential (com potencial de uma carreira acelerada), contribuidores-chave (com uma velocidade de crescimento menor do que o high potential), críticos (com conhecimento muito específico e difícil de encontrar no mercado) e concern, que são os que geram dúvidas sobre seu desempenho e potencial. O processo de People Planning é global e ocorre entre abril e maio de cada ano. Segundo a gerente de RH da PepsiCo, Simone Karpinskas, são feitas reuniões com os gestores para discutir sobre os colaboradores, sem a participação dos indivíduos. Também ocorrem conversas entre os gestores e o RH, além de calibração dos resultados com outros gestores da área. Depois que o profissional é enquadrado em uma das quatro categorias, este resultado não é comunicado a ele, para evitar que as pessoas sejam rotuladas. Um dos temores é que os high potentials pensem que sua classificação é permanente, quando na realidade pode variar a cada ano, de acordo com seu desempenho.

“Ninguém é high potential, está high potential”, explica. Mesmo assim, esta confidencialidade está em discussão na companhia, e poderá deixar de existir no futuro, desde que os colaboradores saibam que sua condição não é permanente. No Grupo Algar, que atua nos setores de TI, telecom, agro, serviços e turismo, os talentos são identificados no dia a dia pelos seus próprios gestores. “Temos procurado responsabilizar as lideranças pela identificação dos potenciais sucessores”, afirma o vice-presidente corporativo de talentos humanos, Cícero Domingos Penha. Os gestores devem ficar atentos ao nível de satisfação dos talentos e às oportunidades de carreira que surgirem para aqueles profissionais. “Tudo depende da indicação da liderança”, afirma. Por isso, a empresa tem uma grande preocupação com o perfil dos seus líderes, que devem saber instruir, delegar e não temer o desenvolvimento dos seus subordinados.

A empresa de consultoria e auditoria PwC usa uma combinação de avaliação de desempenho com identificação de potencial para fazer seu mapa de talentos. “O desempenho você constata, mas o potencial é algo em que você aposta”, afirma a diretora de RH Mariza Souza. A avaliação do potencial é feita com todos a partir de nível gerencial, e define quais pessoas serão direcionadas para os cargos que precisam de sucessores. Uma vez identificados, os profissionais de destaque recebem oportunidades especiais de desenvolvimento, item apontado por 78% dos executivos de RH ouvidos pela FGV.

No caso das companhias multinacionais, essa ação pode incluir vivências no exterior. A Accenture oferece um programa global que promove quatro encontros de talentos por ano, no qual é desenvolvido um projeto em grupo. Cada um dos encontros ocorre em uma cidade diferente, e algumas das eleitas foram Barcelona, Praga e Chicago. O grupo selecionado tem aulas com executivos sênior da Accenture e com convidados externos. Cada encontro dura uma semana. Nos intervalos entre os encontros presenciais, o grupo continua o trabalho virtualmente. No final, o projeto é apresentado para um comitê executivo do grupo.

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De acordo com Portugal, executivo de RH da empresa, 200 profissionais participam do programa anualmente, sendo que cerca de 15 são brasileiros. Segundo ele, os que participam deste programa costumam voltar com maior habilidade de desenvolver pessoas devido à experiência absorvida com os executivos sênior durante as viagens. A PwC também oferece oportunidades internacionais para seus potenciais. O programa Global Mobility permite que brasileiros fiquem dois anos no exterior trabalhando em outras unidades da empresa pelo mundo. Segundo a diretora de recursos humanos da PwC, este programa privilegia os talentos. Além de ajudar a desenvolver competências, ela destaca que a expatriação é um pré-requisito para se tornar um membro da liderança na empresa. “As pessoas voltam transformadas deste programa”, conta.

Outra oportunidade internacional é um programa realizado durante três meses em alguma cidade do mundo para desenvolver um projeto, com um acompanhamento especial de mentorização. “Só podem participar os talentos que tenham fluência em inglês”, afirma. No ano passado, oito brasileiros participaram deste tipo de projeto. Outro fator importante é o coaching e o mentoring para estes profissionais (veja mais em Ações de desenvolvimento). Na Anglo American, uma das maiores mineradoras do mundo, os talentos podem participar de programas globais de três semanas, também realizados em diferentes cidades. Os profissionais interagem com outras unidades de negócio e outras culturas. Segundo a diretora de RH da unidade Níquel da Anglo American, Arlete Schinazi, o principal foco do programa são jovens engenheiros já formados, que estão se preparando para se tornar os altos engenheiros da mineradora.

Mobilidade do profissional
Mas além das vivências no exterior, as empresas contam que os high potentials são acompanhados de perto para identificar necessidades de treinamento, no dia a dia do trabalho, e também direcionados para oportunidades que surgirem internamente. Na PepsiCo, os high potentials têm oportunidade de fazer treinamentos para liderança na universidade PepsiCo, além de fazer movimentações internas para adquirir novas experiências. “Não é só o treinamento que ajuda, às vezes a pessoa precisa mudar de área para se aproximar de determinada atividade”, afirma a gerente Simone. Segundo ela, medidas como um job rotation garantem uma carreira mais acelerada para os profissionais, que ganham novas posições e assumem constantemente novos desafios. Para contribuir para a mobilidade desses profissionais, o grupo Algar criou uma ferramenta chamada Procuram-se Talentos, que divulga pela internet as vagas que surgem internamente. Podem se candidatar os profissionais com mais de um ano e meio de casa.

A avaliação é feita com base nas avaliações de desempenho e conversas com o atual gestor. O vice-presidente corporativo de talentos humanos conta que os gestores ficam atentos às oportunidades que podem ser interessantes para os membros da sua equipe. “Se uma pessoa se destaca todos os anos, vou olhar para ela e ver se tem potencial para outras coisas”, afirma. A diretora da PwC explica que a formação de talentos depende de um processo bem executado desde a captação do profissional, de boas avaliações de desempenho e programas de desenvolvimento, acompanhado por indicadores que garantam que o ciclo está sendo bem cuidado. “As pessoas não são definidas como talentos. É a gente que pode desenvolver muito as pessoas”, afirma. Ela conta que algumas perdem o brilho nos olhos com o passar do tempo, e é isso que diferencia as carreiras no longo prazo.

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Dentro do grupo, o modelo de desenvolvimento da consultoria considera que 70% corresponde à experiência que a pessoa tem no seu próprio trabalho, com novos projetos e desafios; 20% correspondem ao fato de o indivíduo ter um mentor que dará a ele atendimento especial; os 10% restantes correspondem à formação tradicional, como por exemplo pós-graduação ou MBA. Segundo Mariza, os talentos contam com o apoio de um sócio com mais tempo de casa, que acompanha mais de perto a sua carreira e funciona como um fator de inspiração.

No caso dos cursos, todos os funcionários podem ter acesso a bolsas, mas os programas mais caros ficam com quem está na fila para o programa de sucessão. Para despertar o interesse dos funcionários, a PwC conta ainda com o modelo de partnership, no qual existe espaço para tornar-se sócio da empresa. Hoje a companhia conta com 4,7 mil funcionários no Brasil, sendo 150 sócios. “À medida que a pessoa cresce, pode aspirar a ser sócia.” A ideia de um crescimento acelerado (item que faz parte de um programa de gestão de talento e high potential na opinião de 59% dos entrevistados) se assemelha à de um avião prestes a decolar. “O que esses profissionais querem é pista para ganhar altitude”, complementa Verônica, coordenadora da pesquisa.

Recompensa
Os próprios programas dedicados aos talentos e sua rápida ascensão dentro das empresas já são vistos como fatores de retenção desses profissionais. “O colaborador sente que sua carreira está acelerada, e vai ficando na empresa”, afirma a gerente da PepsiCo. Mesmo assim, existem outras formas de reter esses colaboradores nos quadros da empresa, como políticas diferenciadas de remuneração fixa ou variável. No entanto, as empresas relacionam essas práticas ao desempenho e não ao potencial das pessoas. “Mais uma vez, isso se deve ao fato de esses profissionais estarem muito ligados a desempenho. Assim, nada mais natural que exista, ou deveria existir, nessas empresas, também, uma cultura de meritocracia, capaz de justificar perante os demais colaboradores uma remuneração diferenciada para os talentos”, conta Hélio, da FGV.

Apenas para ilustrar, esse tipo de remuneração foi citado por 62% dos entrevistados como parte dos programas de gestão de high potentials. Já bônus por desempenho foi apontado por 95% como um dos fatores críticos para reter um profissional desse tipo em uma equipe. A Accenture oferece uma tabela especial de salários para quem tem melhor performance. Também existe uma remuneração variável caso o profissional seja bem avaliado naquele período. De acordo com Portugal, esse tipo de prêmio não gera mal-estar com os demais porque existe objetividade e transparência no processo de avaliação. “Todos sabem qual foi sua avaliação ao longo do ano. Se você sabe que está dentro da média, não espera estar no grupo de alta performance”, explica. Ele conta que a empresa também oferece um mentor para cada profissional, que discute os pontos fortes e fracos, permitindo que todos possam lutar para entrar no grupo de alto padrão.

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*Aqui cabem duas considerações. A primeira refere-se às empresas familiares. “De uma certa forma, nelas já se sabe quem são os sucessores”, afirma Hélio Arthur Irigaray, da FGV. Outro ponto é a equipe de RH preparada: “Um programa dessa natureza implica uma gestão mais avançada e, consequentemente, uma área mais estratégica. Em muitas organizações, vemos apenas um RH mais voltado para questões menos estratégicas, o que impediria a implementação de ações de atração e retenção de high potentials”, diz.

Os mentores são executivos da empresa, e cada um conta com cinco a oito mentorados. De acordo com Portugal, o mentor também ajuda o profissional a tomar decisões e até a avaliar propostas de trabalho. Na Anglo American, a remuneração varia de acordo com o atingimento de metas do negócio em que o profissional está inserido, com suas metas individuais e com o cumprimento dos valores da companhia (como segurança, integridade, inovação e responsabilidade). A PepsiCo e a PwC também contam com políticas de remuneração variável para os profissionais que se destacam no desempenho.

A Algar tem um sistema de remuneração variável baseado em metas semestrais. Quem atinge o objetivo recebe 0.8 a 2 salários adicionais por semestre. “Tem muita gente que recebe até quatro salários a mais por ano”, diz Penha. A empresa também distribui 12% do seu lucro líquido, proporcionalmente ao salário de cada um. Penha explica que não é interessante criar políticas de remuneração que variem por potencial, mas sim por mérito. Ele destaca ainda que a questão do salário é apenas um dos itens que garantem a permanência da pessoa.

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Outros quesitos importantes são o sentimento de pertencer, a perspectiva de crescimento e oportunidade de carreira. A opinião de Penha é corroborada pelos dados do estudo da FGV. Entre os fatores que ajudam a reter um high potential, lideram, com 96% de indicação dos entrevistados, oportunidades efetivas de crescimento. Logo depois vêm programas de gestão de carreira, alinhamento entre ambições individuais e objetivos organizacionais e bônus por desempenho (cada um com 95%). Por sua vez, não é de estranhar que entre os fatores que afastam um talento da empresa estejam itens como poucas possibilidades de mobilidade profissional (94%) e poucas oportunidades de carreira (91%). “Além disso, dois outros aspectos chamam a atenção. Um deles é a cultura orientada ao desempenho e presença de liderança dominada por antigos profissionais, que exclui os novos líderes”, acrescenta Verônica. Isso deixa claro, também, um consenso no mercado: o de que os líderes devem investir parte de seu tempo na formação de outros.

 

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