Carreira e Educação

De bem com o bolso

de Cristina Morgato em 11 de agosto de 2010

Dívidas tiram o sono, a concentração, mexem com a autoestima e, inevitavelmente, podem transformar uma pessoa proa­tiva em alguém desmotivado e improdutivo. Isso é muito perceptível no ambiente de trabalho, pois quando um funcionário tem algum problema pessoal, de saúde, jurídico ou financeiro, por mais que tente, não consegue desempenhar sua função tão bem quanto poderia.

Uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) realizada com 17,8 mil consumidores de todas as capitais, constatou que 63% dos brasileiros têm alguma dívida. O cartão de crédito aparece como principal vilão, indicado por 72,4% das famílias como um dos principais focos do endividamento, seguido pelos carnês, com 27,4%, e pelo financiamento de veículos, com 12,5%. Segundo a psicóloga Andréa Villas Boas, sócia da Mentes & Meios, consultoria de recursos humanos, e autora do livro Valor feminino – Descubra a riqueza que há em você (edição do autor), é muito recorrente as pessoas apresentarem dificuldades em gerir as questões financeiras e isso impacta fortemente suas decisões em relação à própria carreira. “Mas o problema parece ainda maior entre as mulheres”, acrescenta. Em entrevista à MELHOR, Andréa comenta os impactos diretos dos problemas de ordem pessoal na carreira e ambiente de trabalho.

Após entrevistar mais de 500 pessoas, entre mulheres, homens e casais, o que a levou a focar seu livro na vida financeira das mulheres?
Levantei os possíveis entraves de educação e culturais que a mulher tem ao cuidar do próprio dinheiro, enriquecer e alcançar equilíbrio financeiro. E a grande maioria delas tem total desinteresse pelo assunto, delegando para outros o cuidado com seu dinheiro. Não é à toa que uma pesquisa do IBGE apontou que sete entre 10 mulheres brasileiras, em algum momento de sua vida, enfrentarão situação de pobreza. É a pura verdade. A mulher foi educada para não pensar nessas questões e para cuidar dos outros antes de cuidar de si. E essa é uma das principais razões de elas ficarem desamparadas em algum momento da vida. A mulher tem de tomar as rédeas da sua vida econômica, assim como já tem feito com sua carreira nos últimos anos, e conquistar espaços antes exclusivos dos homens.

Quais aspectos são abordados em seu livro e como as mulheres podem utilizar o planejamento financeiro para melhorar seu desempenho em outras áreas da vida?
Tentei mostrar às leitoras os benefícios de se conquistar a independência financeira em várias frentes: a) aposentadoria: para que a mulher não dependa apenas do INSS; b) amorosa: para que esteja numa relação por amor e não pelo conforto financeiro que oferece; c) profissional: para que trabalhe no que gosta e não apenas no que dá dinheiro e, que, mais importante, se livre das dívidas e se concentre na carreira. Partindo do entendimento dos conceitos, busquei incluir histórias divertidas e utilizar uma linguagem simples, objetiva e bem humorada, para apresentar este mundo ainda desconhecido para tantas mulheres e mostrar as competências que elas têm disponíveis para ajudá-las nesta nova jornada.  
 
Com base em sua experiência como coach e RH, além das mulheres, que outros públicos têm sofrido com problemas profissionais ocasionados por questões de ordem financeira?
Tenho refletido muito para entender o que está acontecendo nas organizações. Digo isso, pois tenho recebido muitos clientes de coaching em busca da tão desejada felicidade, porém o que eles têm encontrado é uma profunda frustração. Um tempo atrás, eu via isso acontecer com pessoas em torno dos 40 anos, porém percebo que a idade das pessoas que buscam ajuda caiu para a faixa dos 30! A tão falada geração Y, que requer uma nova maneira de gerir pessoas, é um grande desafio para as empresas. Por mais que saibam como essa geração é e como funciona, poucas empresas conseguem falar a língua dela, saindo da cabeça (teoria) e indo para o coração (prática). Sei de grandes talentos, jovens e que estão em grandes multinacionais, que o RH sequer sabe da existência deles, nunca tiveram uma conversa – alguns nem gestor têm. Difícil de acreditar, porém mais difícil ainda é constatar que é verdade.

A que você atribui esta insatisfação da nova geração de profissionais?
De um lado, está o que a empresa diz que prega, como a busca constante em atrair e reter seus profissionais e que o capital humano é seu principal ativo. Por outro, está a prática, na qual muitas empresas mal conhecem seus funcionários e seus anseios. Os valores organizacionais dificilmente saem da parede e passam a fazer parte do comportamento diário da maioria do quadro de funcionários. Percebo que a tal infelicidade está associada a alguns fatores que são comuns entre meus clientes: a diferença de valores entre a pessoa e a empresa – por mais que na parede esses valores sejam bem parecidos; a diferença de perfil entre a pessoa e o perfil que o cargo demanda; e o maior desafio de todos: ter de separar sua vida pessoal da profissional, como se isso fosse algo possível de fazer.

Quais são as consequências dessa infelicidade para o profissional e para a companhia?
Tenho visto pessoas ficarem doentes, principalmente deprimidas, e que optam por sair de empresas que são (ou foram) o sonho dourado de qualquer profissional. Saem para abrir seu negócio próprio ou para buscar a felicidade em outra companhia; para repensar suas carreiras ou para um sabático. Os que decidem ficar na empresa, na tentativa de resolver seu problema, o fazem muitas vezes pelo simples fato de não terem um planejamento financeiro adequado, que lhes permitiria tal arrojo. O número de pessoas endividadas no Brasil é altíssimo e a dívida funciona como uma bola de neve; quando se dão conta do rombo, a situação está bem difícil de chegar a uma solução.

Como as empresas estão reagindo a esse tipo de problema? Há uma busca conjunta, de profissionais e organização, por soluções?
Infelizmente, muitos líderes sequer se dão conta de que seu liderado está com um problema pessoal sério e que isso pode, inclusive, estar impactando negativamente seu desempenho. Já vi situações bastante delicadas, que acontecem mais do que imaginamos: um funcionário delegava à sua esposa a responsabilidade de pagar as contas domésticas e depositava na conta dela o valor correspondente a todas as prestações e contas a serem pagas ao longo do mês. Mas se surpreendeu ao descobrir que as prestações do carro, assim como outras tão importantes quanto, não estavam sendo pagas, pois sua esposa estava jogando e perdendo dinheiro no bingo. Quando descobriu, a dívida era tão imensa que ele mal sabia como dar conta de seu trabalho e, ao mesmo tempo, resolver seu problema financeiro.

Em sua opinião, como as empresas podem mudar essa situação e auxiliar seus colaboradores a resolver problemas dessa ordem, melhorando, consequentemente, sua produtividade no trabalho?
A dica para as empresas é que existem programas EAP (de Employee Assistance Program) voltados a ajudar os funcionários a ter seus problemas de ordem pessoal, de saúde, financeiro, jurídico ou social apoiados por profissionais especializados nessas áreas. Já para os gestores é que assumam verdadeiramente seu papel enquanto líderes de pessoas – o que significa ter genuíno interesse e conhecer a fundo quem é aquele ser humano que trabalha na sua equipe. Quais são seus sonhos? Quais são suas expectativas de carreira? Como é sua vida, dentro e fora da empresa? Quais são seus verdadeiros valores? Quais as suas preocupações? Dessa forma, o líder poderá entender e, de alguma forma, apoiar e tirar algumas barreiras que impedem que o funcionário possa estar inteiro no trabalho, dando sua contribuição com todo seu potencial. 

Quadro negro

Alguns dados recentes da condição econômica das brasileiras que mostram uma realidade chocante, segundo Andréa:

– 67% dos idosos que vivem sozinhos são mulheres
– 40% das mulheres são sozinhas; e se elas têm a partir de 12 anos de estudo, esse índice aumenta para 50%
– Na mesma função que
os homens, as mulheres recebem salários em média 27% menores
– Por ganharem menos, por se afastarem do trabalho por algum tempo após a maternidade, e cuidarem de pais idosos na maturidade, as aposentadorias femininas também são inferiores
– Três em cada quatro idosos pobres são mulheres
– 90% das mulheres são responsáveis pelas próprias finanças em algum
momento da vida
– Sete em cada dez brasileiras enfrentarão a pobreza em algum momento

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