Gestão

De mãos dadas

de em 18 de maio de 2009

Não é incomum, em tempos de turbulência e incertezas econômicas, muitas empresas debruçarem-se sobre si mesmas em busca de custos que possam ser evitados ou, na pior das hipóteses, reduzidos. Mas, nesse processo natural, existem sempre perigos e um deles, talvez o maior, de acordo com José Carlos Teixeira Moreira, presidente da Escola de Marketing Industrial e da consultoria JCTM Marketing Industrial, é perder os clientes leais. “Eles mantêm vínculos de significado com as empresas. E vínculo de significado tem a ver com gente”, diz. Em outras palavras, com pessoas comprometidas com a crença da organização e que, nem sempre, aparecem no organograma formal. E quem são essas pessoas? “Todas que tocam o produto e que falam com o cliente, inclusive o RH”, afirma Moreira, que também é membro do conselho consultivo do CONARH 2009 – 35º Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas. Para superar uma crise com origem na confiança, o consultor garante que a união de duas importantes áreas de uma empresa pode fazer a grande diferença: “Juntos, RH e marketing podem ajudar a resgatar a moeda da confiança”.

Melhor – Como as empresas estão lidando com a atual crise?
Diante de um cenário turbulento como este, podemos encontrar dois tipos de organizações a partir das reações que apresentam: as que se colocam no papel de vítima e as protagonistas. O papel de vítima é sempre muito cômodo e cria uma espécie de passividade ou letargia. Do outro lado temos a protagonista, que aproveita as mudanças para descobrir saídas que não imaginava. Infelizmente, hoje, vemos mais organizações com o discurso de vítimas. Isso porque, no Brasil, sempre tivemos uma irresistível tendência a esperar que alguém faça alguma coisa por nós.

Melhor – Mas algumas, mesmo as que se acham vítimas, acabaram fazendo alguma coisa. Nem que seja demitir funcionários, reduzir custos…
Uma das primeiras reações de qualquer empresa em momentos de crise é rever custos. Isso, em si, não é ruim, até porque existem custos ocultos. Mas a redução que mata valor é péssima. Nesse sentido, é preciso estar atento para cuidar dos bens intangíveis. Há um fenômeno interessante, porém perverso muitas vezes, no mundo corporativo: bens tangíveis, visíveis, dão uma sensação psicológica de propriedade, de ativo, mais do que os intangíveis ou invisíveis. Assim, entre uma máquina de última geração e dez pessoas, muitas empresas acabam reduzindo o quadro de funcionários. É preciso ter maturidade para entender que os ativos intelectuais são os que deram origem a essa máquina.

Melhor – E que também dão o bom uso dos ativos tangíveis. Correto?
Sim, criam o uso inteligente deles. Veja: os povos nômades, entre eles os judeus, sempre souberam valorizar esses bens como cultura, ciência. Em função das mudanças que eram obrigados a fazer, não dava para levar muita coisa. Assim, sempre priorizaram levar as competências! Mas muitas pessoas ainda não perceberam a importância disso nas empresas.

Melhor – Ainda não deram o valor devido ao capital humano?
Particularmente não gosto muito desse termo, capital. Ele remete mais à parte do dinheiro. Esse conceito é muito mais amplo, é uma verdadeira riqueza. Se as empresas preservassem esse núcleo criador e implementador das coisas em qualquer máquina ou em qualquer prédio, seriam cada vez melhores.

Melhor – Quais os riscos de uma redução impensada de custos?
Arrisca-se a perder o que, para mim, é necessário manter agora: os clientes. Eles mantêm vínculos de significado com as empresas. E vínculo de significado tem a ver com gente. São pessoas que representam propostas, produtos, empresas. As organizações mais atentas adotaram uma hierarquia de redução de custos. Ou seja, não cortaram a rede de profissionais compromissados e que geram vínculos duradouros com os clientes. Souberam identificar quais são os clientes de conveniência e buscaram tornar o processo de vendas junto a eles menos oneroso. Identificaram, também, a lista de serviços que foram incorporados, ao longo do tempo, a um produto, por exemplo, e que pode ser cortada – os chamados overservices.

Melhor – E o que mais se pode fazer?
Uma boa empresa deve se reunir com um grupo seleto de clientes, aqueles que mantêm uma vontade de compartilhar história, valores, sonhos. Esses são os clientes leais. Essa lealdade é fundamentada em vínculos que foram construídos no passado e que geraram muito respeito. Respeito não é algo que se pode colocar na agenda para buscar no cliente. Algo como “Hoje, senhor cliente, viemos aqui para conquistar o seu respeito”. E a lealdade? “Lealdade fica para a semana que vem, na terça. Temos todo um planejamento para isso.”

Melhor – Por que usar o termo lealdade e não fidelidade?
Porque lealdade combina melhor emoção e razão. A fidelidade é mais emoção. No Brasil, pela precariedade de discussão mais aprofundada sobre esse tema, e um pouco por conta dessa máquina que veio travestida de técnicas de marketing (que infelizmente trata as pessoas como coisas), ainda se usa mais o conceito de fidelidade. Nas empresas, e fora delas, prefere-se viver com pessoas leais. A fidelidade pode, sim, existir depois da lealdade. Mas ela, sem a lealdade, não existe. Até pode ser comprada, mas não se sustenta.

Melhor – E ser leal não significa ser igual…
Sem dúvida. Aliás, é a diferença que me dá chances de sobreviver. Em meio a um cenário de extrema complexidade, não tenho todas as competências necessárias para resolver um problema, por exemplo. Se as pessoas que mantêm vínculo comigo são iguais a mim, estamos perdidos! Precisamos das diferenças para chegar às soluções novas. O cliente leal permite à empresa uma relação mais duradoura, porque é por meio da diferença que se encontra uma saída que, sozinha, a empresa não teria condições de encontrar.

Melhor – Como se desenvolve a lealdade?
É preciso comungar valores, sonhar o futuro juntos e equilibrar momentos de pura gratuidade com momentos de interesse. E a lealdade do cliente tem prazo de validade. Ela precisa ser sempre animada, o que se dá com a renovação do ato de fé naquilo que uniu a empresa e o cliente.

Melhor – E como o RH pode ajudar nesse processo?
Se a área de RH busca criar coesão e compromisso interno, por que não o faz com os clientes externos, que, na verdade, também são internos? Hoje, as empresas que têm uma base de clientes leais instalada, embora estejam vendendo menos, estão blindadas contra essa crise. Você não imagina o tamanho do amparo emocional e a chance de descobrir novas saídas e oportunidades quando se está unido com o cliente e se estabelecem contextos de cooperação.

Melhor – E essa união é feita por meio de pessoas…
Sim, os vínculos de lealdade com os clientes são construídos por pessoas que, muitas vezes, estão invisíveis no organograma normal e que são apaixonadas pela causa da companhia. Na hora da redução de custos, se não houver uma preocupação e uma atenção por parte da empresa, esses profissionais podem ser demitidos. Poucas organizações atentam para o impacto negativo que a saída dessas pessoas causa nos vínculos que foram construídos historicamente com os clientes.

Melhor – E quem são essas pessoas?
São todas as que tocam o produto ou que falam com o cliente. E, nesse caso, não são necessariamente as da área de vendas.

Melhor – Pode ser o RH também?
Por que não? Veja, muitos profissionais dessa área participam de grupos com executivos de outras empresas, algumas até clientes, para discutir temas que também são interessantes e importantes, mas esses grupos poderiam tratar de assuntos voltados à melhoria das relações entre essas companhias. Por exemplo, perguntar para o RH do cliente o que se pode fazer para atendê-lo melhor.

Melhor – Ou seja, o RH também tem de ser vendedor.
Manda na empresa quem traz negócios e é difícil encontrar um presidente que seja ex-RH, quando, na verdade, deveria ser o profissional mais buscado para o cargo, já que as empresas são feitas de pessoas. Isso acontece porque RH é ruim de vendas, não vende nem a si próprio. Aceitou ser intermediário de coisas muito primárias dentro da organização, mas venderia muito, aliado à área de marketing. O primeiro passo, então, seria formá-lo em marketing e vendas, e, depois, num processo paulatino de integração, criar condições legítimas para que seja descoberta, junto com o pessoal de vendas, a terceira alternativa: nem o tirador de pedidos, nem o RH alheio. Temos tido alguns resultados interessantíssimos nesse campo, mas não dá para ditar regras. O que dá para garantir é que quando RH acorda para isso e “cava” seu espaço aumenta o seu poder.

Melhor – Como RH faz a diferença na construção dessa força de vendas?
Todos os movimentos para tornar as empresas melhores foram focados na excelência interna. Mas no processo de vendas é preciso construir relações de significado com o cliente, que possam garantir o futuro da companhia. O cliente é aquele agente com o qual eu consigo construir um futuro. A missão é fazer com que ele seja uma espécie de acionista, que entra com o dinheiro e fica extremamente feliz com os resultados.

Melhor – E por que isso não acontece?
O problema é que não houve grandes movimentos diferentes daqueles feitos há 30 ou 40 anos: as convenções de vendas são as mesmas, os folhetos são iguais, os apelos também. As ações de venda são muitíssimo parecidas: visitas, preço por volume, planos de incentivo. Comparativamente, as áreas de finanças, produção e RH evoluíram muito mais que marketing.

Melhor – Como saber se uma empresa está indo no caminho certo, nesse sentido?
Você pode saber se uma empresa, por meio de seus gestores, está fazendo bem o seu papel com clientes e com as pessoas que a compõem pela temperatura da poltrona. Se terminar o dia e ela marcar 36º, temos um problema. As organizações que estão indo bem estão com agendas tomadas de reunião com os clientes leais. Você quase não vê ninguém nelas. No que se refere às pessoas, os gestores estão circulando para conversar sobre processos, melhorias etc. E os profissionais que estão nos clientes estão fazendo mutirão de resgate de vínculos. E estão em contato entre áreas: finanças com finanças, marketing com marketing, RH com RH. Não é vendas com compras. Um bom vendedor deve contatar o vendedor do cliente, pois é este que, como ninguém, sabe qual insumo pode ajudá-lo a vender mais o seu produto ou serviço. Isso é buscar a prosperidade do cliente, que é a melhor satisfação que se pode ter.

Melhor – A crise está servindo de alerta para as empresas sobre a falta de consistência nos relacionamentos?
A crise atual é uma crise de confiança e confiança não se resgata com dinheiro. Acredito muito que isso que está acontecendo veio para o bem, porque quebrou o que não tinha valor, o que era vazio. O ganho de curto prazo pifou e o que se mantém é o essencial: o ser humano, a manutenção da credibilidade a partir dos valores das pessoas e a consistência e coerência entre fala e conduta. Juntos, RH e marketing podem ajudar muito o resgate da moeda da confiança: RH buscaria a alma das relações e marketing, o corpo. A união das duas áreas, além de significar uma força para a perenidade da organização, pode ser, também, um novo fôlego de vitalidade para cada uma delas.

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