Depósito recursal, uma reserva desconhecida das empresas
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Depósito recursal, uma reserva desconhecida das empresas

Eles somam R$ 35 bilhões nas contas da Caixa Econômica Federal (CEF), dos quais R$ 10,5 bilhões estão aptos para serem resgatados imediatamente

O Brasil já foi o campeão mundial em ações trabalhistas. Até meados da segunda década do século 21, a média anual era de dois milhões de processos, um número absolutamente exorbitante quando comparado com outras nações. Nos EUA, por exemplo, são 75 mil ações anuais; na França, são 70 mil; e, no Japão, são 2,5 mil.

De acordo com estudo elaborado por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP), para cada R$ 1.000 julgados, a Justiça do Trabalho gasta aproximadamente R$ 1.300. Na avaliação dele, esse quadro é fruto de uma legislação trabalhista ultrapassada e extremamente detalhista. Um cipoal legal que estimula uma cultura de litigiosidade no Brasil.

Parece que o professor Pastore está certo. Passados pouco mais de dois anos desde a promulgação da reforma trabalhista, em 2017, norma que alterou profundamente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o número de processos na primeira instância da Justiça do Trabalho diminuiu entre 30% e 34%. Uma regra foi especial para essa queda: a que obriga que a parte perdedora pague os honorários. 

De qualquer maneira, mesmo com as alterações, o número de reclamações trabalhistas permanece em um padrão bem superior ao de economias desenvolvidas. Isso cria custos para as empresas. Provisões para passivo trabalhista, gastos com bancas jurídicas, verbas adicionais para os departamentos de pessoal e, também, alocação de dinheiro para os depósitos recursais.

Os depósitos recursais são os valores que as organizações precisam disponibilizar à Justiça do Trabalho para recorrer das ações.

Trata-se de um mecanismo para que as empresas possam apresentar medidas legais para buscarem a reversão da condenação, honrando não só com os depósitos recursais, como também com as custas fixadas. O valor dos depósitos somente pode ser levantado ao final das demandas e, obviamente, desde que não tenha sido utilizado no decorrer do conflito.

Não se trata de pouco recurso. Os depósitos recursais trabalhistas somam um saldo de R$ 35 bilhões nas contas da Caixa Econômica Federal (CEF), dos quais

R$ 10,5 bilhões estão aptos para serem resgatados imediatamente pelas empresas depositantes. Em 2017, com a reforma trabalhista, a garantia foi flexibilizada e o depósito pode ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.

 

Se esse entendimento for estendido para os saldos anteriores à nova legislação, a quantia passível de recuperação seria de R$ 65 bilhões.

Existe a oportunidade, portanto, de identificação e apuração de depósitos, saldos e resíduos existentes em favor da empresa solicitante, em procedimentos judiciais que se encontrem arquivados, incinerados ou com baixa junto ao órgão competente. Porém, o processo de recuperação do saldo de depósitos recursais pode ser bastante árduo. Se o mapeamento for realizado manualmente, o tempo de duração até a obtenção do recurso pode levar um ano. A boa notícia é que nos processos realizados de maneira digital os processos de recuperação de depósitos recursais levam em média 180 dias.

Outra boa notícia é que a jurisprudência está do lado das empresas que desejam trocar suas verbas empenhadas em depósitos recursais por seguro garantia judicial. Apenas 2% dos pedidos enfrentam resistência por parte das autoridades judiciárias. Não podia ser diferente. Quase 80% das empresas brasileiras registram severa queda no faturamento em razão da pandemia da covid-19. Sete de cada dez indústrias relatam abalo nas receitas e nove milhões de trabalhadores foram dispensados.

Com a visão favorável da Justiça Trabalhista, os recursos passíveis de recuperação dos depósitos recursais cresceram de maneira vigorosa. Passaram para R$ 250 bilhões à disposição das organizações.

Levantar essas verbas tornou-se uma questão fundamental para a manutenção do fluxo de caixa e da sobrevivência do setor produtivo nacional.

Agora, portanto, há duas estratégias para as empresas. No caso dos processos arquivados e incinerados, deve-se pleitear por pedido judicial a liberação dos recursos nas contas bancárias. No caso dos processos ativos, a maneira mais fácil para as organizações reaverem esses recursos paralisados é a troca deles por seguros que cumprem o mesmo papel de garantia ao Poder Judiciário. Com a severa queda do Produto Interno Bruto (PIB) durante o primeiro semestre do ano – bem como os choques simultâneos de oferta e de demanda no mercado nacional –, o dinheiro para investimento e giro de caixa simplesmente rareou no sistema financeiro. Assim, ter um fundo de R$ 250 bilhões estocados é um atentado à economia. O lado positivo é que as empresas sabem agora que tinham uma reserva desconhecida de recursos. Cabe agora a cada uma delas pesquisar a própria situação e, se for o caso, levar os depósitos recursais de onde nunca deveriam ter saído, ou seja, dos seus caixas.

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Bertrand Douet

Bertrand Douet é sócio-fundador da Assertif