Gestão

Entre novos e velhos

de Marcos Luiz Bruno em 22 de agosto de 2011
Gamma-Keystone/Getty Images
Maio de 68, Paris: no final da década de 60, estudantes se organizavam para contestar. Hoje, a facilidade da comunicação eletrônica pode tornar essa atitude ainda mais intensa, senão poderosa

Uma das questões emergentes na gestão de RH tem sido o tema das gerações, suas diferenças e potenciais conflitos entre elas. Pergunto-me se há uma espécie de contraponto a isso, na busca de reflexões também divergentes em torno do assunto. Como essa questão é tratada, principalmente, realçando diferenças, há, olhando-se retrospectivamente, padrões constantes que podem trazer outras maneiras de se abordar a questão.

John Naisbitt, em Mind Set, discute o tema “mudar e mudanças” na perspectiva daquilo que muda efetivamente e o que permanece constante. Sob o impacto da mídia, nossa sensação de mudança é imensa. TVs, jornais, periódicos, livros, consultores, sites, enfim, todos apontando sobre como tudo está mudando. De outro lado, acompanhando Naisbitt, muito permanece constante. A maioria das empresas ainda permanece num estado estacionário; os fundamentos das ações de compra e venda, de fazer da lucratividade uma condição necessária à sobrevivência permaneceram em boa parte os mesmos durante os últimos 50 anos (ou 100). Muitas e atuais empresas multinacionais são (quase) centenárias. Celulares, TVs, tablets, geladeiras, carros inteligentes, entre outros, apontam para grandes mudanças.

Mas, pergunta Naisbitt, estamos fazendo apenas de modo diferente, com mais alcance, com mais qualidade aquilo que já fazíamos antes? E ainda: qual é a essência desse viver que aparenta constante mudança? Vamos à escola, casamos e temos filhos que vão à escola; escola esta que sabemos nunca muda (apesar dos apelos às reformas educacionais). Casa, lar, família, trabalho, escola, saúde, lazer, relacionamentos afetivos, amorosos, continuam os mesmos. Filhos continuam tendo dificuldades com os pais, líderes e liderados continuam tendo problemas de relacionamento, o estresse continua a ser transmitido no trabalho, menores continuam engravidando, meninas também sonham com príncipes, jovens querem novidades, vai-se às igrejas, compram-se carros, roubam-se, matam-se, drogam-se, trabalhamos como sempre trabalhamos. A vida nas fazendas pouco mudou, mas se modernizou; as estações determinam o ritmo da vida, com equipamentos diferentes. Enfim, há que se pensar nas mudanças em termos de “o que muda” e do “como muda”.  Nessa linha de raciocínio, pergunto-me pelo que há de comum ou constante entre as gerações, para entender se há mudanças no “o que” ou no “como”. É comum entre as gerações a necessidade de o jovem se destacar, ser diferente, mostrar-se moderno, cada período com suas tecnologias próprias. É comum que a geração atual questione a anterior. E que esta seja questionada pela posterior.

Novos conceitos
É comum que cada geração produza aqueles poucos (muito poucos) transformadores dos padrões comuns das nossas vidas, com inventos, novos conceitos, novas filosofias, novos negócios. Mas, considerando-se bilhões de humanos que somos, sempre são e provavelmente serão poucos, muito poucos, aqueles que transformam padrões sociais amplos. Mas é um padrão de cada geração produzir rupturas nos “comos” e nos “o quês” por aqueles poucos, que acabamos elegendo como nossos referenciais, modelos ou líderes ideais.  Os “o quês” de nossas vidas e trabalho continuam parecidos na essência do que fazemos. Sempre trabalhamos. Por mais que procuremos mudar as organizações com fortes críticas aos padrões hierárquicos, o que fazemos é contestar (como todas as gerações) as relações de poder. No entanto, continuamos a trabalhar em organizações hierárquicas, que são o único modo de organização que o ser humano consegue produzir há muito mais de 2 mil anos.

As novas tecnologias provocaram grandes mudanças. Mas todas as gerações sempre ansiaram por novas tecnologias, novos “comos”, para melhorar e “modernizar”. Talvez esses “o quês” entre as gerações sejam, de fato, mudanças no “como” e não na essência do “o que” se faz? Há um novo “o que” na chamada geração Y, na Z, millenium ou outro nome qualquer? A propósito, dar nomes e rótulos é também comum entre as gerações.

#Q#


Impacto para a gestão de gerações
Se é previsível que uma geração entrante vá mostrar padrões esperáveis tal como o mais comumente citado de “questionar a geração anterior”, nada surpreendente nisso e, então, qual é a pergunta a ser respondida? Olhando através das gerações e o mundo que foi construído via trabalho, aparentemente fomos competentes em lidar com as diferenças. Novos sucederam os velhos; os velhos deixaram legados e os novos de então, outros legados. Se a nova geração nos traz a novidade da atitude de questionamento, isso sempre aconteceu. No final da década de 60, estudantes se organizavam para contestar. Hoje, a facilidade da comunicação eletrônica pode tornar essa atitude ainda mais intensa, senão poderosa. Se há resistências de uma geração para com o que é apresentado pela nova, resistências a mudanças sempre fizeram parte das relações entre grupos. Parece ser algo como uma dialética implícita?

Até hoje, em décadas, as organizações investem em gestão das mudanças. A novidade é a novidade daquilo que já é esperado, constante através de todas as gerações. Não há, a meu ver, um “vamos gerir a mudança” que a nova geração traz, até porque mudança, em si mesma, implica incerteza e imprevisibilidade de alguma monta. Não há como planejar para isso, mas sim promover aprendizagens e acomodações contínuas. Porém, rupturas trazem novas bifurcações, novos “o quês”. Estas afetam gerações, não apenas uma geração. A mudança é um padrão constante; há que se viver com ela. Novos “comos” devem ser bem-vindos e o ambiente organizacional deveria estar sempre preparado para surpresas, novidades, rupturas, readaptações. Nem sempre é o caso, mas isso também é uma constante, e independe de qual é a geração.

As organizações, boa parte delas, sobrevivem por décadas, e sempre conviveram com os conflitos de gerações. O impacto de um mundo aberto e em transformação (novidade?) é consequência do que foi visualizado, idealizado e produzido por alguns das gerações anteriores. Alguns poucos. Quem são os “novos” da geração atual que influenciarão novos “o quês” futuros? Ainda mais do mesmo – Facebook  Twitter, Google, ou rompimentos com os “o quês”? Onde estarão esses rompimentos com os “o quês”? As organizações estão trazendo para dentro de si personagens estereotipados das mudanças provocadas em relação aos “comos” ou estão identificando talentos capazes de reorganizar os “o quês”?

#Q#

Demografia do talento
A disputa por talentos sempre foi uma constante por todas as gerações. Também a arte de atraí-los e mantê-los; uma constante variando os seus “comos”, adaptados aos contextos e condições atuais. Em geral, a criatividade está, de fato, nos “comos”, pois podemos reorganizar e recombinar as coisas, os conhecimentos e as práticas. A inovação e algo da genialidade estão no rompimento com os “o quês”. Claro, numa organização talvez não precisemos de Einsteins, Galileus ou Newtons. Mas essas genialidades não creio serem atributos específicos de alguma geração. Contudo, as novas gerações terão desafios globais ainda mais significativos, pois os impactos das grandes decisões atuais (governos, tecnologia, iniciativa privada e grupos sociais) afetarão sobremaneira não mais a relação específica entre um líder e um liderado em si, mas nos exporão a questões que exigirão grandes rupturas nos “o quês”. Saltos qualitativos nos padrões de questionamento dos “o quês” serão muito bem-vindos, até porque podem representar a continuidade saudável dos conflitos. A escassez dos talentos sempre foi uma constante. Elliott Jaques nos dá uma ideia disso pela extrapolação de seus estudos longitudinais em torno das suas hipóteses sobre capacidade potencial, como o uso do julgamento e discernimento em condições de incerteza (veja o quadro da pág. 120). Enquanto que as novidades dos “comos” trazidos pelas novas gerações referem-se a novos valores e comportamentos, os desafios de conduzir negócios alinhados a valores agregados por eles demandarão capacidades com uma visão corporativa (sociedades emergentes, mercados futuros, novos valores para as próximas gerações) que poucos trarão. Uma visão pessimista? Não parece ser.

Não é incomum a sensação de que estamos com lacunas de lideranças, hoje. Igualmente para as organizações locais, a escassez é uma realidade que deve ser encarada não apenas sob olhar educacional ou das especialidades. A condução do negócio por meio de capacidades para a estratégia de negócios é escassa. A questão da gestão do talento não é uma moda de RH. É uma realidade. Na perspectiva de Jaques sobre capacidade potencial, esta dimensão do julgamento e discernimento não é treinável, por isso mesmo um fator de desequilíbrio qualitativo importante, que pode significar ganhos em competitividade.

Conhecimento para todos
É essa capacidade de julgamento e discernimento que tem a ver com o antever, explorar a ausência de conhecimento, pois o conhecido é acessível a todos. Parece óbvio que isso tem de ir além dos questionamentos em relação aos “comos” e prosperar trazendo novidades nos “o quês”. É a questão empreendedora, que transcende e atravessa as gerações. Nessa perspectiva, bem-vindas novas gerações que continuam a gerar a constância das mudanças significativas, assim como todas as outras. Às gerações atuais, o cuidado de não limitar suas expressões, cuidando para que as repetições das resistências não impeçam emergir os novos talentos. E investir no semear caminhos para que aqueles significativos poucos possam produzir mudanças qualitativamente significativas.

*Marcos Luiz Bruno é diretor do Instituto Pieron.

 

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail