Gestão

Guinada civilizacional

de em 5 de dezembro de 2013
Divulgação
Nepomuceno: os gestores não acreditam que o atual modelo de gestão está em fase terminal

A revolução tecnológica e a reestruturação de muitas economias convergiram para a formação das recentes manifestações no Brasil e no mundo. Em cena, um ator que há tempos andava calado – a consciência coletiva -, e esta, por sua vez, transmitiu o recado das ruas: buscam-se novos modelos de organizações. Nesse contexto, como as empresas devem reagir a essas demandas? É possível que elas se tornem parceiras das vozes das ruas na busca por novos padrões? Ou ainda: como encontrar o perfil da liderança se os atuais movimentos desconstruíram essa figura? Essas e outras questões foram abordadas na entrevista a seguir com o especialista em gestão Carlos Nepomuceno.

O senhor acredita que as empresas terão de modificar sua forma de gerir depois das mídias sociais?
O primeiro passo é entender o que está acontecendo para depois definir o que vai mudar e, por fim, o que deve ser feito. Há uma crise filosófica-teórica-metodológica em curso. Temos uma visão sobre a espécie humana equivocada. Somos uma tecnoespécie, em que há uma relação simbiótica com as tecnologias. Vivemos em uma tecnossociedade, em uma tecnoeconomia, em uma tecnopolítica. Isso sempre foi assim e sempre será enquanto houver humanos na Terra. Somos diferentes de outras espécies de animas que vivem na ecologia, vivemos em uma tecnoecologia, que se modifica por diversos fatores, entre eles mudanças radicais nas tecnologias, e em especial nas tecnologias cognitivas que expandem nosso cérebro. Tivemos a chegada da escrita com os hebreus, que criaram o monoteísmo, há 6 mil anos, do alfabeto para a Grécia, há 2,5 mil anos, que gerou a filosofia e o primeiro ensaio da democracia, o papel impresso na Europa que propiciou a democracia e o capitalismo, a partir de 1450. Ou seja, quando há uma mudança radical nas tecnologias cognitivas, a nossa tecnoespécie entra em processo de mutação da plástica cerebral e depois começamos a tentar fazer com que a sociedade seja um espelho desse novo modelo. Assim, podemos dizer que estamos em uma guinada civilizacional, em função da chegada de um novo ambiente cognitivo, que torna o atual modelo de governança incompatível com o novo. É preciso compreender a dimensão da mudança.

Quais são as causas de tais mudanças?
Acredito que há uma série de fatores, mas há principalmente uma latência motivada pelo aumento radical da população. O salto de 1 bilhão para 7 bilhões nos últimos 200 anos nos levou para um ambiente de crise em todas as áreas. Criamos o capitalismo e a atual democracia, bem como todas as organizações para um tamanho da espécie e não para o atual. Temos de compreender que o ser humano é a única espécie entre todas as outras que não tem limite de tamanho, pois, como em todos os outros problemas, é capaz de criar novas tecnologias para poder comportar o novo tamanho. As outras espécies têm um problema nos aspectos: governança; comunicação; modelo cerebral e tamanho de membros. Nós crescemos, mas precisamos mudar, pela ordem, a comunicação; depois, a plástica do nosso cérebro; a governança, que nos permite lidar com mais complexidade. Ou seja, estamos fazendo um macroajuste da espécie para comportar o aumento radical da população. Em outras épocas, revoluções cognitivas desse tipo deram mais tempo para as organizações se prepararem, mas a globalização, a hiperconexão e a velocidade atual fazem parecer que o tempo seja muito mais curto. O pior de tudo é que é justamente nesse momento que precisamos de uma compreensão acima do normal de todo o cenário, que as organizações estão completamente intoxicadas do presente, do curto prazo, da falta de estratégia, de visão de cenários de longo prazo. Quem não conseguir entender e fazer o ajuste vai gastar muito mais do que precisa ou em alguns casos pode fazer parte da lista de óbitos corporativos pós-internet.

Fale um pouco sobre a gestão da manada para a gestão das formigas.
Vivíamos uma gestão em que tínhamos um líder alfa que comandava uma série de funcionários, departamentos etc. As ideias, ordens e soluções sempre partiam de cima para baixo. Havia pouco espaço para diálogo. Hoje, com a chegada da nova geração ao mercado de trabalho, essa forma de gerir tende a acabar. Isso já vem acontecendo em algumas empresas. Essa forma de hoje é obsoleta e não tem como durar muitos anos mais. A governança atual se baseia em um líder alfa.

Como a área de RH e a liderança de uma empresa deverão se modificar para se adaptar às mudanças da sociedade e ao perfil dos novos funcionários, mais precisamente essa nova geração?
Vivemos a crise do líder alfa, o gestor que foi formado ao longo de toda a história humana. É uma crise desse tamanho. A internet, a meu ver, cria pela primeira vez a possibilidade de uso da comunicação química, similar à de um formigueiro, em que se podem gerenciar grandes movimentos complexos por meio do “curtir”/”não curtir”, estrelas, GPS, robôs, o que se chama no hoje popular de Big Data. É assim a passagem de um ordenhador de vacas para uma espécie de apicultor, que vai gerenciar grandes plataformas de colaboração de massa. Não gerencia mais uma pessoa diretamente, mas uma rede humana e não humana, mediada por algoritmos, via robôs informacionais, em um modelo similar ao Mercado Livre, Estante Virtual, Google. As organizações não vão mais produzir o que elas acham que é bom, mas serem quase uma “impressora” de produtos ou de serviços dos desejos dos usuários nesses grandes “formigueiros” digitais. É uma guinada que está em curso, mas parece, quando se leem as revistas e jornais de negócio, que está tudo normal. Diria que é a bonança diante da tormenta. Os protestos de junho de 2013, no Brasil, são uma mostra desse movimento invisível que aparece avassalador. A própria internet – que já tem quase 2 bilhões de pessoas conectadas sem que nenhuma empresa tenha liderado esse processo -, o Napster (compartilhamento de música), o Linux (desenvolvimento livre de softwares), os canais independentes no YouTube, a revolução nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro com o início do fim das cooperativas de táxi são sinais de fumaça que estão cada vez mais intensos.

Em seu livro, o senhor fala das zonas de inovação. Como elas funcionariam e qual o objetivo delas?
A ideia da zona de inovação é o esforço consciente de migrar da atual governança para a nova. Como algumas pesquisas demonstram, a colaboração de massa não é possível em um ambiente piramidal. A comunicação tem de ser compatível com a governança e vice-versa. As empresas podem gastar e contratar os profissionais que quiserem, mas vai se gastar, como se está fazendo, sem agregar quase nada aos negócios. É preciso elaborar uma carteira de inovação bem planejada e criar uma área fora, completamente fora, do modelo atual para que a nova cultura seja desenvolvida sem intoxicação da governança atual. Essa zona de migração/inovação é o piloto da nova empresa, que terá como missão, se bem sucedida em médio prazo, “matar” a atual nave-mãe. Vai-se, assim, criar espaço para que a organização possa produzir projetos que gerem novos modelos de negócio que vão “matar” a organização antiga. No modelo que proponho, essas zonas de inovação também valem para a área pública. Tais zonas já são criadas 100% dentro da nova cultura digital, na qual a organização levará problemas para serem resolvidos de outra maneira, deixando os antigos processos, que estarão cada vez mais obsoletos, no antigo modelo. Misturar líder alfa com formigas não é um bom negócio. O objetivo é reduzir o custo de migração inevitável entre a governança atual e a nova governança 3.0. Muitos rirão e acharão absurdas tais ideias, mas aumenta o número de organizações que aderem à ideia da carteira de inovação com criação de aceleradoras de negócio e, dentro delas, o uso intenso da nova cultura digital.

Qual a principal dificuldade para se adotar essa visão de zona de migração 3.0?
Os gestores não acreditam que o atual modelo de gestão está em fase terminal. Dependendo do setor de atuação, olham para o lado e não veem nada que os leve a pensar nessa direção. Os sinais ainda são muito tênues, velados. Por causa disso, há no mercado uma macroilusão coletiva de que se trata de algo pontual e não estrutural, permanente. Preferem, assim, sob essa ótica, o que é até razoável, optar por algo mais seguro, tentando criar um falso diálogo com o colaborador interno e o consumidor externo. Entretanto, a colaboração de massa não é um espaço de conversa, mas um ambiente produtivo, no qual se interage para criar coisas e resolver problemas.

O que se leva para essa zona de migração?
Problemas, nunca processos, pois os processos estão intoxicados com o modelo de gestão atual. Os problemas serão resolvidos de uma nova maneira, de forma mais competitiva. E quem deve ir para a Zona de Migração 3.0? Deve ser formada uma equipe que tenha o alinhamento de cenário para isso e que já esteja convencida da necessidade de migração. Uma equipe multidisciplinar que possa conduzir o processo de migração.

Quais problemas devem ser levados?
Os problemas complexos que hoje são caros e demorados, que passarão a ser resolvidos de uma nova maneira.

Os novos processos voltam para ser usados na organização antiga?
Não. Os processos da organização antiga vão aos poucos sendo descontinuados. A nova organização “mata” a organização antiga, através de um novo modelo de Gestão da Espécie 3.0 mais compatível com o modelo atual.

Qual é a base tecnológica para a resolução dos velhos e dos novos problemas?
A criação de plataformas digitais colaborativas, formadas por robôs, colaboradores e um gestor 3.0, que possa criar um novo ambiente de solução de problemas.


Manada
Carlos Nepomuceno divide a gestão da espécie humana em três momentos. No mundo oral, das matilhas, onde havia a fala nas pequenas aldeias com gestão de um líder alfa para orientar as decisões do grupo; as manadas, com a escrita impressa, a partir de 1450 até 1990, quando passamos a escolher os representantes e proporcionar um rodízio dos líderes alfa; e agora, com a internet (desde 1990), começamos a experimentar o modelo inspirado nos formigueiros, sem o líder alfa, mas com os representantes que as formigas resolvem seguir a partir de uma comunicação química (rastros e cheiros), assim como fazemos nas redes sociais (curtir, comentar), o que transforma toda formiga em um líder provisório em potencial.


Zonas de inovação
A saída enxergada para a migração da atual gestão da espécie para uma nova é a implantação de zonas de inovação/migração nas organizações, que resolverão problemas de uma nova maneira, conduzida por uma equipe multidisciplinar, cuja base tecnológica são plataformas digitais colaborativas, que já operam no novo modelo de gestão da espécie. A solução que o autor propõe é retirar o líder alfa do comando e substituir pelo modelo da comunicação das formigas. Neste sentido, faz provocações quando propõe a viabilidade da escola sem professor, o juizado sem juiz, a política sem políticos e a ciência sem parecerista.

 

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