Leis de performance

de Carolina Sanchez Miranda em 14 de outubro de 2009
Steve Zaffron: a ideia de um salto no desempenho por meio das pessoas ainda é muito pouco presente nas organizações

Melhorar o desempenho e fazer mais com menos são palavras de ordem em todas as empresas, principalmente depois do longo período de crise econômica. Muitos livros já foram escritos sobre o assunto. Recentemente, Steve Zaffron e Dave Logan, especialistas no tema, lançaram mais um: As 3 leis do desempenho – reescrevendo o futuro de seu negócio e de sua vida (Primavera Editorial). O diferencial da proposta dos autores está em uma visão humanista sobre como levar os indivíduos e as equipes a entregarem mais, com qualidade superior.

A experiência como consultores de grandes empresas, entre elas a brasileira Petrobras, levou-os a elencar três leis que determinam a performance das pessoas. A primeira delas diz que o desempenho está correlacionado à maneira como as situações ocorrem para as pessoas. Ou seja, cada indivíduo tem uma percepção do que se passa a seu redor e interpreta os fatos de acordo suas vivências anteriores e sua visão de futuro. No entanto, normalmente se pensa que as situações ocorrem para todos da mesma maneira que ocorrem para nós, por isso é comum o questionamento sobre por que colegas e subordinados agem de uma determinada forma. O meio de resolver esse problema e, com isso, melhorar o desempenho dos profissionais que não estão respondendo de forma esperada seria observá-los, dialogar com eles, compreender suas visões dos fatos e esclarecê-los sobre qual é a realidade para a empresa.

A segunda lei de Zaffron e Logan prevê que a maneira como a situação ocorre aparece na linguagem. Muitas coisas que não são verbalizadas são comunicadas por gestos, expressões faciais, modo de vestir etc. Isso é feito inconscientemente e não estamos treinados para percebê-lo. Outra maneira que as pessoas encontram de comunicar algo sem fazê-lo objetivamente é o que os autores chamam de “operação de fachada”. O nome pode não ser conhecido, mas a situação, sim. E muito. Trata-se da combinação de quatro elementos: uma reclamação que persiste por um longo tempo; uma maneira de ser que acompanha a reclamação; um ganho em manter a reclamação; e um custo por esse comportamento.

Estamos, em geral, conscientes dos dois primeiros elementos, pois a reclamação nos incomoda e o comportamento está diretamente relacionado com ela. O terceiro e o quarto elementos, no entanto, são menos intuitivos. Reclama-se para ganhar algo, apesar do custo da sua execução. Tanto o ganho quanto o custo vivem no não dito e não consciente. Por isso, segundo os autores, a possibilidade de se acelerar e elevar o desempenho de um grupo de pessoas existe ao se conseguir conversar produtivamente sobre o não dito, mas comunicado.

Finalmente, a terceira lei elencada indica que a linguagem baseada no futuro transforma a maneira como as situações ocorrem para as pessoas. De maneira geral, o futuro se configura a partir das expectativas das pessoas, seus medos, esperanças e previsões do que aconteceu no passado – criando o que Zaffron e Logan chamam de futuro automático. Uma linguagem baseada no futuro substitui o futuro automático por um outro inventado. Mas, para que isso seja possível, é necessário que os assuntos do passado estejam resolvidos, o que envolve muito diálogo. A seguir, Zaffron fala um pouco mais sobre essas três leis, com exclusividade para MELHOR.

MELHOR – O uso das três leis do desempenho para transformar o ambiente corporativo exige um executivo com perfil humanista, diferente daquele que traz resultados a qualquer custo. O senhor acredita que o atual cenário de negócios, pós-crise econômica, exige um líder diferente?
Steve Zaffron – O mundo nunca será o mesmo. Estamos na idade da globalização e a dependência entre países, organizações e pessoas exige novas ideias e novas ações. As empresas que continuam a fazer apenas o que faziam no passado não se encaixam no novo mundo. Por isso, os líderes precisam ver a importância da vantagem competitiva que reside nas pessoas. O que me intriga é que muitas organizações atribuem o maior ou menor desempenho das pessoas à área de recursos humanos. Por que não é uma atribuição da diretoria, do alto escalão? Os executivos seniores discutem investimento, marketing etc. Mas elevar o desempenho das pessoas é função do RH. A ideia de um salto no desempenho, de um rompimento com o patamar atual por meio das pessoas ainda é muito pouco presente nas organizações e, no entanto, são elas que elevam o nível de desempenho da companhia. 
 

Fábrica da Toyota, em Indaiatuba: de acordo com Zaffron, empresa criou um diário para que cada colaborador contasse o que aprendeu no dia anterior, para compatilhar com o conhecimento. “E isso faz com que o trabalho na fábrica seja muito mais produtivo.”

MELHOR – O senhor acredita que o RH poderia atuar de modo a desfazer a operação de fachada?
Zaffron – A operação de fachada é uma constante em várias áreas das empresas. Porque operações de fachada são uma função do ser humano, todos temos operações de fachada. Uma reclamação, por exemplo, pode esconder algo mais profundo, como uma forma de controlar a situação ou evitar ser dominado por outra pessoa. Pode ser uma forma de sobreviver a experiências passadas ruins, mas o que acontece é que a adoção desse comportamento não é produtiva. Mas as pessoas agem assim, muitas vezes porque não conhecem outras maneiras de agir e não se dão conta de que caminham para um futuro que já está escrito, que poderá ser desastroso. Quando compreendemos isso, nos perguntamos: “Se eu melhorar a comunicação, vai fazer diferença? Vale o investimento? Vale o tempo? Por que devo fazer isso agora?” Às vezes, as pessoas apenas se movimentam na crise e quando a crise se vai a paralisia toma conta novamente. Então, é preciso criar a própria crise. A seleção brasileira de futebol, por exemplo, já ganhou tantas vezes a Copa do Mundo. Precisa ganhar de novo? Todos os brasileiros acham que tem de ganhar, criam a crise, ou seja, o drive para avançar. É papel do líder ajudar a identificar as operações de fachada. As pessoas têm maior poder sobre uma determinada situação à medida que reconhecem o que as impede de obter resultados. Quando veem que há vantagens nisso, substituem o seu futuro automático, aquele já demarcado, para criar um novo futuro. Ter essa sacada é a essência do processo.
Depois disso, a rede de conversas se estabelece. E aí, sim, trabalhamos com uma nova perspectiva.
 
MELHOR – Em que medida o senhor acredita que o próprio RH faz uso da operação de fachada e quais a vantagens que a área encontra em atuar dessa maneira?
Zaffron – Tanto o RH quanto outras áreas das organizações usam as operações de fachada. É um fenômeno inerente às pessoas e não a uma área. Na verdade, trata-se de um mecanismo de sobrevivência. Mas quando você passa para trás da cortina, em uma peça de teatro, por exemplo, as pessoas são pessoas. As disputas entre áreas, entre departamentos, na verdade prejudicam a todos. Produção reclama de vendas que não vendeu o que produziu; vendas diz que produção faz o que não vende; marketing sempre reclama que não tem produto para vender e por aí vai. As áreas tentam sobreviver apenas. Se em uma empresa eu percebo, por exemplo, que uma pessoa está agindo de determinada forma, mas não está me atacando, não preciso me defender. A maneira como estruturamos a situação na nossa cabeça condiciona a maneira como você vai lidar com a situação.
 
MELHOR – Na visão do senhor, como seria o RH que usasse as três leis do desempenho em favor da companhia?  Que tipos de ações realizaria?
Zaffron – Em tempos difíceis, RH e outras áreas devem deixar a conversa fluir. É preciso contar o que está realmente acontecendo. Nos cases em que trabalhamos, é impressionante como as pessoas querem ter contato com a realidade e querem lidar com ela. A partir do momento em que as lideranças abrem espaço e convidam à participação, os profissionais agarram as oportunidades, passam a ser mais criativos. A Toyota criou um encontro diário para que cada um simplesmente contasse o que aprendeu no dia anterior, para que compartilhasse conhecimento. E isso faz com que o trabalho na fábrica seja muito mais produtivo. As pessoas precisam dividir o ato de pensar com todos os níveis da organização. Falo de diálogos diretos, sistemas de conversação. Em uma empresa com a qual trabalhamos no Peru, por exemplo, as conversas envolviam todos os níveis, inclusive os funcionários que pertenciam a castas distintas – como há na Índia. E os gestores ficaram impressionados como eles agarraram a oportunidade, discutiram ideias e encontraram novas soluções para situações e problemas.

MELHOR – Podemos usar a tecnologia nesse processo?
Zaffron – Sistemas de informação e computadores certamente têm o seu papel, mas no contexto das três leis, o uso pode ser diferente. Com os indivíduos de fato participando – por meio de uma poderosa rede de conversas – do que está acontecendo na empresa, o nível de empowerment é crescente e os mecanismos e processos que antes geravam apenas pálidas soluções e opiniões descompromissadas passam a gerar novos
patamares de participação e, portanto, de resolução.
 
MELHOR – Essa mudança a partir das três leis depende exclusivamente da diretoria para ser efetivada?
Zaffron – A qualquer momento um profissional pode provocar uma transformação e fazer com que se espalhe pela organização. Há uma grande confusão hoje entre autoridade e liderança. Você precisa saber falar e, principalmente, saber ouvir para ser líder. A liderança é um estado da mente e não uma posição na hierarquia. O profissional pode começar e ser o catalisador da transformação no ambiente no qual ele desenvolve suas habilidades. Em uma das empresas com as quais trabalhamos, um profissional simplesmente foi ao chefe e disse: “Quero conversar com você sobre o projeto X”.  A intenção era falar sobre um projeto que, da forma como estava sendo conduzido, ia ser entregue com atraso. A liderança concordou e perguntou se o profissional sabia o que fazer. Ele disse que não, mas que tinha algumas ideias. A partir daí, a conversa se estabeleceu, houve maior envolvimento de todos e o projeto não atrasou. Quem deu autoridade a ele? Aliás, quem deu autoridade a Mahatma Gandhi?
 
MELHOR – Tendo em vista sua experiência com empresas brasileiras, o senhor acredita que os brasileiros, por serem mais abertos a relacionar-se, têm mais facilidade em usar
as três leis?
Zaffron – Há diferenças entre países. Podemos dizer que há países, como os da Europa, nos quais a cultura busca principalmente uma abordagem de processo. O Brasil, por outro lado, é mais sensível ao fator humano, valoriza-o. Ou seja, há uma tendência a apreciar o fato de que as pessoas são um fator importante. Nesse contexto, as três leis contribuem de forma ainda mais rápida.

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