No mesmo barco

de Vanderlei Abreu em 14 de outubro de 2009
Maria de Fátima, da Totvs: desafio de criar a maior companhia brasileira e a nona do mundo no segmento de software uniu os colaboradores da Totvs e Datasul

Recentemente, a brasileira JBS-Friboi balançou o mercado de carnes ao anunciar a aquisição do frigorífico Bertin, também do Brasil, e o americano Pilgrim´s Pride. Nesse movimento, a JBS firmou-se como o maior grupo em proteína (derivadas de carnes bovina e de frango), superando a Tyson Foods, dos EUA. Também não faz muito tempo, duas rivais uniram-se para formar a Brasil Foods (BRF): Perdigão e Sadia, a exemplo do que fez as cervejeiras Antarctica e Brahma ao criarem a Ambev.

Por trás de processos como esses estão estratégias como ganhar novos mercados, ter ganhos de produtividade com sinergias ou até mesmo manter as operações sobrevivendo – saída para algumas companhias que se viram ameaçadas com a crise desencadeada há pouco mais de um ano. No entanto, tais resultados só podem ser atingidos se outros aspectos forem levados em conta – e com muita atenção. Caso contrário, as fusões e aquisições (F&A) podem atuar como verdadeiros moedores de carne, acabando com o que há de melhor nas empresas envolvidas.

Durante sua passagem pelo comando da área de RH do Santander, Francisco Ramirez, atualmente sócio-diretor da ARC Executive Talent Recruiting, participou de cerca de 20 incorporações e integrações de outras companhias pelo banco espanhol. Dessas experiências, a grande lição que Ramirez faz questão de transmitir a quem está passando por esse processo é: muito cuidado ao lidar com as culturas das organizações envolvidas. “Não se deve fazer análises simplistas de F&A como a ação de ´empresas que compram outras e depois as destroem para ficar com os restos´. O que se busca, na verdade, é uma reestruturação para que haja uma boa integração entre as culturas de tal maneira que as coisas boas das companhias permaneçam, sejam elas costumes, usos, valores e pessoas”, pontua.

Ou seja, para não abater o moral e os bons talentos (que ficam frágeis em processos de F&A, sobretudo se forem da adquirida), por exemplo, exige-se um bom levantamento e estudo das culturas, além de um processo de comunicação muito bem feito para diminuir as dúvidas e a consequente ansiedade que delas decorre e azeitar o processo de integração das companhias.

Considerada a maior fusão do setor de tecnologia no Brasil, a união entre a Totvs e a Datasul foi cuidadosamente planejada para evitar esses tipos de problemas. O fato de as duas empresas virem fazendo aquisições de concorrentes menores ao longo dos últimos cinco anos contribuiu para que o processo de integração ocorresse sem grandes traumas, na opinião de Maria de Fátima Albuquerque, atual diretora de relações humanas da Totvs.

A executiva considera fator-chave para o sucesso da fusão a reunião dos colaboradores das duas empresas em torno do desafio de criar a maior companhia brasileira e a nona do mundo no segmento de software. “Isso uniu os dois times e o desafio passou a ser fora do Brasil, mais do que um brigar com o outro”, aponta.

A comunicação foi uma ferramenta fundamental para manter os funcionários informados constantemente e deixá-los tranquilos quanto ao andamento da integração entre as duas empresas. Primeiramente, foi criado um grupo com pessoas de vários níveis hierárquicos das duas companhias, incluindo os dois presidentes – Laércio Cosentino, da Totvs, e Jorge Steffens, da Datasul -, e, semanalmente, essa equipe montava o comunicado com um resumo de todas as ações da semana. “Isso reduziu muito a rádio-peão, trouxe tranquilidade às equipes e deu percepção clara de que os
pontos principais estavam sendo tratados e as pessoas estavam sendo respeitadas”, conta Maria de Fátima.

Há casos de organizações que adotam um perfil mais informal para receber os colaboradores de empresas adquiridas, o que não quer dizer que elas não adotem uma estratégia de comunicação. A Odontoprev, maior operadora de planos odontológicos do país, vem fazendo aquisições de concorrentes menores ao longo dos últimos três anos e promove um evento chamado Embarque com a gente como uma forma de gerar a percepção de incluir os colaboradores da adquirida
no “barco” Odontoprev.

“Nesse evento, fazemos uma apresentação geral da empresa, falamos do negócio, de algumas políticas gerais de recursos humanos, da filosofia de gestão. Enfim, é um ´boas-vindas´”, esclarece Rose Gabay, diretora de RH da operadora.

Cuidados na junção de culturas
O consultor Francisco Ramirez, da ARC, considera ser altamente provável que as culturas de duas organizações que se fundem ou de uma empresa que adquire outra sejam diferentes. Ele volta ao exemplo do Santander, lembrando as várias instituições financeiras adquiridas no país – os antigos Banco Geral do Comércio, Bozano-Simonsen, Noroeste e mais recentemente o Banespa – e o relativo curto espaço de tempo em que foi necessária a junção de culturas diferentes. “É lógico que se trouxe muito das crenças e valores da instituição financeira compradora, mas ela foi profundamente alterada pelo contexto de mercado, pelo tipo de executivos que dirigiram a operação”, avalia.

Ramirez ainda cita um exemplo de grande sucesso de fusão na indústria brasileira: a Ambev, resultado da união das cervejarias Brahma e Antarctica. “A cultura da Ambev, hoje, não tem paralelo no mundo. Ela foi construída a partir de todas as fusões que a empresa viveu e se transformou em algo que não se pode dizer que é resultado da antiga cultura da Brahma ou da Antarctica. Não tem nada a ver”, conceitua o consultor.

O comentário de Ramirez é corroborado por Thiago Lopes Porto, gerente de desenvolvimento de gente da Ambev. “O processo de fusão das diferentes culturas foi trabalhado de forma paulatina e gradual. Diversas mudanças foram feitas de modo a alinhar o nosso, hoje já fortemente consolidado, sistema de gestão. Foram adotadas medidas essenciais para se manter uma companhia unida com base em valores e objetivos comuns”, descreve.

O executivo conta, também, que foram estabelecidas diretrizes que visam o compromisso com uma atuação responsável, ética, transparente e de respeito mútuo entre os profissionais. “Hoje, a cultura Ambev é vivenciada e praticada por todos nossos funcionários e nossos valores estão disseminados em toda nossa cadeia de atuação”, completa.

Perez, da FTPerez: quem disse que a Autolatina fracassou ?

Talentos seus e deles
Entre os colaboradores das empresas envolvidas em um processo de fusão ou aquisição fica sempre o pensamento relacionado ao antigo ditado que diz que “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”. Ramirez, da ARC, considera essa situação humanamente tão poderosa que influencia as ações de todas as pessoas dentro das duas empresas que estão se integrando. “Se não for muito bem definido o que vai acontecer com as pessoas, elas vão gastar mais tempo discutindo, pensando ou se protegendo daquilo que irá acontecer a elas do que trabalhar em prol da integração”, adverte.

Além do forte trabalho de comunicação desenvolvido no início da fusão entre a Totvs e a Datasul, Maria de Fátima, diretora de relações humanas, lembra que foram formados 22 grupos de trabalho mistos para acelerar a integração e desmistificar as lendas sobre as concorrentes. “Também criamos um kit de boas vindas com crachá de visitante, mapa do prédio, carta com orientações sobre o entorno do prédio, restaurante, banco etc. para as pessoas sentirem-se mais acolhidas, tanto para os colaboradores de São Paulo, sede da Totvs, quanto para os de Joinville, antiga matriz da Datasul”, esclarece.

O aproveitamento dos talentos das empresas também vem sendo uma característica importante nas fusões e aquisições. Maria de Fátima, por exemplo, era diretora de RH da Datasul e foi absorvida na estrutura da Totvs. Na Odontoprev, os donos das empresas adquiridas são mantidos como executivos da operadora de odontologia. “Essa é uma estratégia da companhia como forma de incluí-los no planejamento da fusão e da integração, até pelo fato de serem uma referência para os colaboradores. Ao saberem que o antigo dono continua tendo um papel importante, isso transmite segurança e transparência para a equipe”, revela Rose Gabay, diretora de recursos humanos da Odontoprev.

Para Ramirez, os processos de fusão e aquisição são recheados de riscos e precisam ser muito bem planejados para evitar problemas ou até mesmo o fracasso total do empreendimento. “Se for uma empresa muito grande, a integração pode levar anos, há uma queda de produtividade e isso é algo a se considerar na fusão com outra empresa. Isso porque você se torna mais frágil frente à concorrência durante o período de união e o mínimo de energia que você dedica aos processos internos é muito grande”, pondera.

A Totvs passou por um período assim no início da integração com a Datasul, revela Maria de Fátima. “Tivemos uma queda no clima organizacional na época da aquisição, principalmente no time Datasul, que ficou mais abalado, mas também na equipe de São Paulo porque afetou o dia a dia, gerando insegurança nas pessoas. Fizemos uma pesquisa em abril e outra em julho deste ano e os índices de credibilidade e de confiança já estão voltando aos níveis que eram antes da fusão”, detalha.

E quando não dá certo?
Apesar de quem analisa de fora imaginar que a Autolatina foi um dos exemplos mais emblemáticos de fracasso de fusão, o consultor Fernando Tadeu Perez, hoje diretor da FTPerez Consultoria e, na época, executivo da área de recursos humanos da Ford, apressa-se em afirmar que a união, na realidade, foi um sucesso. “Uma empresa que por vários anos produziu mais de 1 bilhão de reais de lucro por ano não deu certo?”, questiona.

Montadora resultante da união entre a Ford e a Volkswagen e que durou oito anos, de 1986 a 1994, um dos principais objetivos da junção, naquela altura, era reduzir custos de produção das duas multinacionais, além de integrar diversos sistemas produtivos.

Perez afirma que o principal motivo que levou ao fim da Autolatina foi a abertura do mercado automotivo promovida pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello. “Não fazia mais sentido elas continuarem juntas, já que poderiam trazer produtos de suas respectivas matrizes”, justifica. Por outro lado, ele reconhece que as culturas americana e alemã eram muito diferentes e geravam inúmeras brigas internas na administração da empresa. “Gastava-se muito mais energia do que se precisava para produzir os resultados esperados”, declara.

E quando essa energia se exaure, os riscos de o processo não dar certo são enormes. Sem combustível para manter a fusão ou aquisição em dia, o negócio é desfazer o negócio, digamos. E essa prática não é pouco comum. Como afirma o consultor Francisco Ramirez, da ARC, mais da metade das fusões de grandes empresas conhecidas historicamente acabam fracassando. “É como um casamento em que, quando não dá certo, acaba sendo ruim para os dois lados. Assim, é melhor separar mesmo”, compara.

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