O verdadeiro inimigo delas

de Reinaldo Bulgarelli* em 22 de março de 2010

O Dia Internacional da Mulher traz, todo ano, a reflexão sobre a forma como nossas empresas estão acolhendo as mulheres no mercado de trabalho. Ainda estamos, evidentemente, distantes de valorizá-las. Alguns dados deveriam chamar a atenção de todos: elas são maioria na sociedade e já representam quase metade da população econômica ativa (PEA).

O mundo empresarial diz valorizar o mérito, mas os esforços das mulheres em ampliar sua escolaridade não têm significado acesso a melhores postos de trabalho, incluindo funções de liderança. Ainda temos cerca de 90% de homens nesses postos em nossas grandes empresas – o que significa dizer que grandes decisões são tomadas por homens. Elas têm mais anos de estudo do que eles e apresentam melhor desempenho em termos de notas quando o recorte de gênero é considerado nas pesquisas.

Refletindo a cultura machista, nossas empresas ainda são masculinas, masculinizadas e masculinizantes. Masculinas no número; masculinizadas na forma de se organizar; e masculinizantes na maneira como querem “converter” a todos em homens no jeito de agir, falar e decidir.

Tudo isso é expressão do machismo, ideologia que precisa ser enfrentada pelas empresas, mas que preferem transformar tudo em programas, quando muito, de inclusão em áreas em que estejam pouco presentes. Essa postura simplista não ajuda no fortalecimento de uma cultura de valorização da diversidade. Incluir sem rever as estruturas que geram exclusão é uma forma perversa de manter as coisas como estão e ainda de culpar as mulheres pelos fracassos na carreira.

O inimigo da mulher não é o homem, é o machismo. Como ideologia, está presente nas atitudes e nos comportamentos de homens e mulheres, prejudicando-os de diferentes formas. O machismo na cabeça de homens e mulheres determina um lugar na hierarquia das companhias, uma função na sociedade, a naturalização das desigualdades de gênero, da violência contra a mulher, entre tantos outros efeitos prejudiciais.

Sim, o machismo é prejudicial aos homens porque também eles ficam presos em lugares na hierarquia e em funções como se houvesse uma determinação genética que nos impede de expressar sensibilidade, cuidados com os filhos, participação nas tarefas reprodutivas ou de cuidados com a casa. Uma das expressões do machismo que mais atrapalha as mulheres é a prisão do homem no ambiente de trabalho, longe dos afazeres domésticos ou familiares. Liberados apenas para o trabalho, sem se sentirem obrigados a lavar louça ou levar o filho ao médico, subir na carreira torna-se uma possibilidade naturalizada. É machismo.

Mais de quarenta anos de entrada da mulher no mercado de trabalho não podem mais servir de justificativa para explicar sua ausência em determinadas atividades e muito menos os 90% de homens em postos de alta liderança. O machismo explica essa baixa representatividade das mulheres em estruturas que não as valorizam porque são masculinas, masculinizadas e masculinizantes.


Bons exemplos


Há empresas que possuem programas de valorização da diversidade com atividades muito simples e de alta efetividade. Constituem grupos para dialogar sobre questões de gênero que afetam a vida de todos, o desempenho das companhias e os impactos na sociedade. Homens são convidados a participar e demonstram um forte descontentamento com essa prisão no trabalho, longe da vida real. Há os que estão levando Í s empresas uma agenda que era anteriormente apenas das mulheres: equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Há organizações que, antes mesmo da legislação, já oferecem seis meses de licença-maternidade. Com isso, deixam de punir a maternidade ou mesmo a possibilidade dela, algo utilizado antes como motivo para discriminar a mulher. Essas empresas têm alto impacto positivo no clima e no fortalecimento da cultura de valorização da diversidade. Não há notícias de falência de nenhuma delas por conta da gravidez das mulheres e dos seis meses de licença.

Outras trabalham questões de gênero na relação com todos os públicos, na forma de realizar as atividades empresariais, considerando as singularidades de homens e mulheres em produtos, serviços, comunicação, marketing, relação com a comunidade, com fornecedores, a maneira de atrair, manter e desenvolver mulheres e homens na carreira. Valorizar a diversidade é, também, considerar as diferenças e semelhanças na maneira de ser e de fazer negócios.

Oportunidades e condições para o desenvolvimento da mulher no mercado de trabalho, com respeito e consideração pelas suas singularidades, incluindo sensibilidade para com as adversidades que enfrentam, beneficiam muito a sociedade. Nossa base da pirâmide é artificialmente alimentada não pela falta de mérito, mas pelo pertencimento a segmentos de gênero e raça. O nosso mercado interno, tão celebrado, depende do enfrentamento dessas artificialidades criadas pelas ideologias do machismo e do racismo. Mulheres valorizadas nos processos de gestão de pessoas são também clientes, consumidoras, um imenso volume de negócios que precisa se livrar do machismo para efetivamente construirmos uma sociedade inclusiva.

Comemorar o Dia Internacional das Mulheres? São muitos os desafios, mas são muitas as conquistas realizadas por quem tem enfrentado o machismo com coragem. Gestão de pessoas é também gestão da diversidade. O que você tem feito pela equidade de gênero em sua empresa?


*Reinaldo Bulgarelli


é sócio da Txai Consultoria e Educação e autor de Diversos Somos Todos (Editora de Cultura)

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