Quando os terceiros não são os últimos

de Vanderlei Abreu em 18 de fevereiro de 2010
Camargo, da Allis: na terceirização, não há o compromisso de gerenciamento

Não basta ser estratégico: é preciso cuidar também do que é operacional. Deixar para outros as atividades que não compõem o chamado core business tem se revelado uma boa saída para muitas áreas de RH interessadas em investir mais tempo como parceiras de negócios. Mas esse processo de terceirização merece atenção redobrada em relação à qualidade e ao volume de serviços que passam para a mão de outrem. Ou seja, focar no que é primeiro é importante; mas em segundo lugar vêm os terceiros.

Pode parecer um jogo de palavras e números. Em alguns casos, o número de atividades terceirizadas é tão grande que as áreas responsáveis por esses contratos ficam tão perdidas (incluindo o RH) que o fluxo da estratégia corre o risco de estancar. Para evitar que situações como essas tornem-se realidade frequente, entra em cena um ator relativamente novo: o gestor de facilities.

Trata-se de uma espécie de consultoria que atua como interlocutora entre a empresa contratante e os terceirizados, com a responsabilidade direta pelo nível de serviço prestado. O objetivo é possibilitar a melhoria contínua de processos nos serviços realizados, e garantir a excelência no resultado final produzido por cada um dos prestadores de serviço.

Nessa modalidade de serviço, o cliente transfere para a empresa que prestará a consultoria a gestão de todos os terceirizados contratados de áreas como limpeza, manutenção, portaria, recepção, arquivo morto e serviços internos administrativos, como explica César Camargo, diretor de operações da Allis, especializada em soluções de recursos humanos. “Na terceirização, não há o compromisso de gerenciamento. E a gestão só acontece a partir do momento que uma empresa se compromete a oferecer um serviço com indicadores de produtividade, relatórios de performance da equipe e, ainda, consegue reduzir custos”, ressalta.

Porém, é importante destacar que nem todos os serviços que são gerenciados pela área de recursos humanos podem entrar na gestão de facilities. O outsourcing da folha de pagamento, por exemplo, é uma atividade que, apesar de hoje ser amplamente terceirizada, não está dentro da antiga área de serviços gerais. Outro aspecto importante é a subordinação – denominada como interlocução pelos executivos entrevistados por MELHOR, já que não existe a relação chefe-subordinado entre empresas.

Francisco Abrantes, diretor de gerenciamento de facilities da Jones Lang LaSalle e presidente da Associação Brasileira de Facilities (Abrafac), explica que nas empresas que mantêm um departamento próprio de gerenciamento de facilities, o status é de gerência de primeira linha. “As organizações mais antenadas, com uma gestão mais eficiente, já têm uma estrutura de facilities mais independente, focada na eficiência, como se fosse um negócio por trás do negócio, ou seja, o back office”, conceitua.

Segundo o diretor de marketing da ADP, Daniel de Abreu, algumas das grandes organizações recorrem aos chamados centros de serviços compartilhados, que reúnem atividades de suporte financeiro, recursos humanos e gerenciamento de facilities. “A ADP, por exemplo, tem em sua ferramenta de gestão de RH um módulo que proporciona a distribuição de informações de forma bastante abrangente para as unidades remotas de modo que elas possam interagir com esse centro, para que ele possa fornecer os serviços e englobar todo o gerenciamento de serviços de RH”, detalha.

Nos casos em que o gestor de facilities é da empresa gerenciadora (seja como área independente ou integrado ao centro de serviços compartilhados da companhia), a interlocução é feita com a área de manutenção ou de gestão patrimonial. Já nos casos em que o gestor é externo, o interlocutor pode ser a área de RH. Isso porque, conforme explica Fernando Brancaccio, diretor de recursos humanos da Dalkia, não existe subordinação entre prestador de serviços e cliente. “A partir da assinatura do contrato, é nomeado um gerente de operações que passa a fazer a interlocução com o gerente de manutenção ou de gestão patrimonial”, acrescenta.

Fernandes, da Astrein: comunicação é primordial para o êxito da gestão de facilities

Desafios e soluções
Mas como obter sucesso com esse gerenciamento? Segundo Marcelo Ávila Fernandes, diretor da Astrein, empresa que atua no desenvolvimento de software, treinamento e implantação de sistemas para gestão de serviços, a comunicação é a ferramenta primordial para o êxito do gerenciamento de facilities. “Hoje, as empresas lançam mão de e-mails, formulário na intranet ou mesmo do telefone para que as solicitações dos funcionários cheguem ao departamento de facilities, que não tem como unificar essas informações para melhor gerir a execução”, analisa. O ideal, continua o diretor, é ter um software para centralizar os chamados e conseguir ter uma visão completa de todas as demandas que estão trafegando pelo setor.

Outro ponto importante para o gestor de facilities é o acompanhamento do chamado até que ele seja resolvido. É preciso saber com quem está determinado problema – se é com a equipe própria ou de terceiros – e quanto tempo já se passou desde o momento do chamado até a execução do serviço. “Ou seja, se o acompanhamento do SLA [Acordo de Nível de Serviço] está sendo feito da maneira correta e se os fornecedores estão cumprindo o combinado “, ressalta Fernandes.

Outro fator que contribui para gerar bons resultados é o perfil do gestor de facilities. Segundo Abrantes, da Abrafac, esse profissional deve conhecer os princípios da sustentabilidade. “Na parte hidráulica, é necessário saber diferenciar a água servida da água cinza, usada só em banheiros; entender a questão do uso racional da energia elétrica; lançar mão de tecnologias e processos para que o prédio seja eficiente, o que exige um profissional com formação mais técnica, por exemplo”, analisa. Camargo, da Allis, concorda e vai além: para ele, esse profissional também deve ter um perfil fortemente voltado para gestão por processos e metodologias. “Uma vez que ele tenha esses fundamentos arraigados, a questão de gerir facilities ou um restaurante é muito parecida.”

Para Edgar Fernando Santa, diretor de operações de grandes contas e facilities management da Sodexo, outro ingrediente que esse gestor deve ter é carisma. “Deve ser uma pessoa que tenha facilidade de enxergar o todo e consiga se colocar em diferentes situações e perfis de clientes, porque nos espelhamos no local de trabalho do tomador do serviço. Portanto, é preciso entender problemas de acesso de pessoas com carências até os gostos que as pessoas têm na área de alimentação”, afirma.

Isso tudo porque as empresas gerenciadoras buscam profissionais que sejam generalistas em essência, pelo fato de tratarem de vários assuntos. Em relação à formação acadêmica, o segmento contrata, geralmente, mais engenheiros, arquitetos e administradores. “A alocação do gestor depende do tipo de contrato. Para um banco que tem data center, por exemplo, o ideal é alocar um profissional mais técnico, pois há demandas mais específicas e situações em que ele vai precisar interagir com as áreas de TI e sistemas, ou seja precisa ser uma pessoa que conheça bem questões como elétrica, hidráulica, mecânica e civil”, diz Abrantes.

Quando começou

O mercado de facilities começou a despontar no Brasil em meados da década de 1990, com a entrada de empresas norte-americanas, como Jones Lang LaSalle, CB Richard Ellis, Cushman & Wakefield, com a proposta de profissionalização do setor a um custo menor e série de facilidades para os contratantes de serviços, como gerenciamento de vários contratos sob uma única supervisão e apresentação de indicadores de performance dos fornecedores.

A partir da primeira década dos anos 2000, começou um novo movimento no Brasil, impulsionado pela chegada de prestadoras de serviços europeias que pregavam a oferta do gerenciamento direto aos clientes, eliminando o intermediário responsável por prover a entrega do serviço. “A chegada das gerenciadoras ao Brasil motivou os fornecedores a se capacitarem e, consequentemente, levou-as a descer ao nível da operação”, afirma César Camargo, diretor de operações da Allis.

 

Formação específica

A Dalkia, multinacional francesa que atua como gerenciadora de facilities, desenvolveu um programa de especialização em conjunto com a Fundação Getulio Vargas para suprir as carências de seus gerentes de operações. De acordo com Fernando Brancaccio, diretor de recursos humanos, o curso foi desenvolvido com base em quatro competências, que ele denomina “eixos de negócio”: gestão de pessoas; relacionamento comercial; administração e finanças; e técnico-operacional. “Dentro desses eixos, buscamos homens de negócios, pois eles não são especializados nem aprofundados em um único conhecimento técnico, portanto, buscamos complementar esses conhecimentos para o desempenho da função”, destaca.

O curso é dividido em quatro módulos de 30 horas cada, com aulas online e presenciais. “Numa avaliação anual específica do gestor ele aponta qual o eixo prioritário a ser desenvolvido naquele ano, podendo, no ano seguinte, desenvolver outro eixo de gestão ou se aprofundar um pouco mais no anterior”, explica. Ao término do curso, o participante pode fazer uma prova específica na FGV para validação dos módulos e se qualificar para um MBA na instituição.

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