Saúde

Reajustes fixos

de Caroline Marino em 17 de agosto de 2009
Lopes, da Towers Watson: as operadoras têm o desafio de ser mais precisas nas definições dos preços. (Foto: Gustavo Morita)

Anunciadas recentemente, as novas resoluções normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre os reajustes de planos de saúde coletivos e empresariais devem dificultar as negociações entre as operadoras e os clientes no momento de rever preços dos contratos. Isso porque, até há pouco tempo, as operadoras podiam promover três aumentos por ano e, em alguns casos, o reajuste chegava a ser trimestral. A partir de agora, isso só poderá ser feito uma vez por ano.

Outros pontos que também fazem parte das determinações da ANS são a proibição da exigência da carência em planos coletivos e empresariais com 30 ou mais beneficiários; a proibição da exigência de carência em planos coletivos por adesão para beneficiários que ingressarem no plano até 30 dias após a celebração do contrato ou a cada aniversário contratual e, ainda, a exigência de dois instrumentos de orientação aos beneficiários: o Manual para Contratação de Planos e o Guia de Leitura Contratual, que passam a fazer parte do procedimento de contratação de planos.

As decisões estão contidas em duas Resoluções Normativas, a RN 195 e a RN 196 que, segundo a chefe de gabinete da ANS, Aléxia Ferreira, foram instituídas para tornar ainda mais segura a contratação de planos de saúde coletivos que, hoje, abrigam a maior parte dos consumidores, com mais de 39 milhões de usuários – o que representa 75,2%  dos quase 53 milhões de consumidores de planos de saúde.

De acordo Aléxia, os planos coletivos por adesão sofriam um fenômeno chamado “falsa coletivização”, em que associações sem capacidade de representação, como lojas de departamentos e condomínios, ofereciam planos que acabavam sendo uma forma de burlar a regulação dos planos individuais. “Além disso, outras distorções, como a subprecificação acompanhada de reajustes abusivos, seleção de risco e pouca transparência das regras motivaram a edição da medida”, completa.

Porém, para o líder da área de saúde e benefícios da Mercer, Alexandre Espinosa, como toda nova regulamentação, ainda existem pontos obscuros, de interpretação diferente e que estão sendo avaliados pelo mercado, como por exemplo, se a vigência da lei é imediata para todos os planos em vigor ou se afeta somente os novos planos contratados a partir de 15 de agosto de 2009. “Grande parte do mercado entende que afetará os planos em suas datas de renovação, pois as operadoras terão um período de 12 meses para registrar seus novos produtos na ANS com base nas regras dessas resoluções”, diz.

Quem compartilha do mesmo pensamento é Cesar Lopes, consultor sênior da Towers Watson. Para ele, ainda é cedo para medir corretamente todos os impactos. “Certamente, um tema que vai gerar discussões é se a Resolução poderá alterar as regras de contratos que estão em vigor. Esse é um aspecto jurídico que, com certeza, trará muitas discussões”, adianta. Porém, ele acredita que o impacto imediato será nos novos contratos, pois as operadoras de saúde serão muito mais criteriosas no momento de definição dos preços. “Existe uma prática em alguns segmentos do mercado de saúde de rever os preços e/ou  prêmios dos contratos coletivos a cada seis meses e, portanto, eventuais distorções na formatação original dos preços poderiam ser corrigidas em um curto espaço de tempo. Assim, contratos novos tendem a ser fechados com valores superiores aos praticados atualmente”, ressalta Lopes. “As operadoras têm o desafio de ser mais precisas nas definições dos preços e mensalidades e, também, de aumentar o foco nos controles das despesas, sejam assistenciais ou administrativas”, completa.

Espinosa, da Mercer: mudanças profundas no relacionamento entre empresas e operadoras

Aumento elevado
Para o presidente da operadora de saúde Lincx, Silvio Corrêa da Fonseca, o impacto virá no aspecto econômico, já que a obrigação de colocar reajuste apenas uma vez ao ano poderá fazer com que esse aumento seja elevado, complicando as negociações entre a operadora e as organizações. “Essa regra fará com que as empresas, sempre que fecharem um contrato com um plano de saúde, estejam conscientes da necessidade de um caixa maior para bancar esse contrato, levando em consideração que não haverá mais flexibilidade de ajustes intermediários”, diz. No que diz respeito à isenção de carência para grupo de 30 vidas (antes 50), ele acredita que isso fará com que os planos de saúde avaliem melhor o risco antes de aceitarem o contrato.

“O ponto positivo que vejo nessa determinação da ANS é que, a partir de agora, as operadoras de saúde não poderão mais praticar preços abaixo do cálculo atuarial só para conquistar o cliente. Caso contrário, o prejuízo será certo”, afirma Fonseca. Porém, ele ressalta que o índice de sinistralidade deve aumentar, pois não haverá mais o reajuste intermediário. “Isso preocupa e, muito, os planos de saúde, pois a sinistralidade já está alta devido ao custo da medicina e aos reajustes abaixo da inflação médica aprovada pela ANS. Com as novas regras, isso tende a aumentar.”

Na opinião de Espinosa, da Mercer, o que poderia ser uma boa notícia para as empresas (preços fixos por um período de 12 meses) pode fazer com que um contrato pouco saudável seja insustentável em poucos meses, do ponto de vista técnico e atuarial. “Nesse caso, a operadora terá de ter um ´fôlego muito maior´ do que possui hoje, pois não poderá repassar os custos à empresa e, num plano de pré-pagamento, no médio e longo prazos, os riscos serão sempre das empresas clientes, já que os mecanismos de reajuste por sinistralidade garantem o repasse aos custos”, esclarece.

Como alternativa, Espinosa acredita que as ações preventivas e programas de promoção de saúde e prevenção em geral, com foco em gerenciamento de custos, poderão ter sua importância drasticamente aumentada, tornando-se algo estratégico no gerenciamento dos planos. “Ainda é cedo para dizer, mas, com certeza, irá mudar a percepção ao risco e de como se enxergam os planos de pré-pagamento e a sinistralidade num período de um ano”, completa.

Fonsca, da Lincx: as operadoras de saúde não poderão mais praticar preços abaixo do cálculo atuarial

Para a diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Beatriz Mendes, a grande novidade em relação à RN 195 é que ela redefine os planos coletivos, ou seja, o plano coletivo empresarial passa a ser exclusivo para vínculos empregatícios enquanto o plano coletivo por adesão fica restrito à população que mantém vínculo com pessoa jurídica de caráter classista, profissional ou setorial. Para ela, a regulamentação tem como ponto positivo para as operadoras, os empregadores, estipulantes e consumidores o fato de trazer para o ambiente regulado atividades que operavam à margem do marco legal, afastando a falsa coletivização e dando maior segurança às operações de planos coletivos e consistência ao setor de saúde suplementar. “Apesar de a norma proporcionar maior segurança ao setor, traz impactos operacionais significativos na medida em que exige ampla revisão e adequação dos produtos e dos contratos vigentes em um curto espaço de tempo”, avalia Solange.

Assimilação tranquila
Apesar de as regras terem sido feitas para proporcionar mais segurança às empresas que compram os serviços das operadoras (RN 195) e para os usuários que compram os planos coletivos por adesão (RN 196), Espinosa chama a atenção para um ponto: “O legislador sempre parte do princípio de que as regras impõem melhorias e possibilidades de maior regulação e controle, porém a grande desvantagem é a mudança contínua e pouco discutida com o mercado”, completa. Para ele, a questão principal está na RN 195 que, ao impor reajustes nos planos somente a cada 12 meses, pode trazer mudanças profundas no relacionamento entre empresas e operadoras, pois mexe em regras usuais há muito tempo praticadas e que podem ocasionar aumentos generalizados nos custos e uma maior inflexibilidade de negociação junto às operadoras, o que acaba sendo prejudicial para as empresas.

Em contrapartida, Aléxia, da ANS, afirma que as resoluções são equilibradas. Assim, ela garante, serão entendidas de forma clara pelo mercado e o impacto será bem positivo. “A elaboração das normas foi amplamente discutida em reuniões da Câmara de Saúde Suplementar, em câmaras técnicas e  por meio de consulta pública, que receberam contribuições das operadoras de planos de saúde, órgãos de defesa do consumidor, prestadores de serviços de saúde e beneficiários de planos de saúde, resultando em resoluções bastante equilibradas, passíveis de serem assimiladas pelo mercado”, diz.

As novas regras já estão em vigor e as operadoras que descumprirem as normas estão passíveis de multas, que vão de 5 mil reais até 80 mil reais. Esses valores poderão ter efeito multiplicador, atingindo até 1 milhão de reais, caso a diretoria de Fiscalização decida que a infração cometida pela operadora alcançou todo o universo de beneficiários.

Para entender melhor


Resolução Normativa nº 195

Além de definir melhor os conceitos e de regulamentar a contratação de planos coletivos por adesão, a RN nº 195 institui a orientação aos beneficiários. Assim, as operadoras tornam-se obrigadas a entregar o Manual de Orientação para Contratação de Planos de Saúde e o Guia de Leitura Contratual, ferramentas que facilitam o acesso e a compreensão de informações constantes no contrato, como prazos de carência, vigência do contrato, critérios de reajuste segmentação assistencial.

Principais mudanças:
> Reajustes congelados a cada 12 meses
> Separação dos contratos de ativos e aposentados
> Tabela de contribuição vigente igual à tabela de entrada
> Carência e cobertura parcial temporária para empresas com mais de 30 beneficiários
>
Eliminação da rescisão unilateral do contrato

Resolução Normativa nº 196

Já na 196, as questões discutidas são em relação aos planos coletivos por adesão, aquele tipo de plano em que uma empresa ou entidade de classe funciona apenas como facilitador da contratação e os usuários pagam seu custo mensal através de boleto, sendo um plano similar ao plano individual, mas com custos bastante competitivos, já que funcionam num esquema de mutualismo.

O mote principal dessa Resolução é a organização e regulação das atividades das chamadas administradoras de benefícios, que são as empresas que administram os planos coletivos por adesão, que em alguns casos funcionam como uma extensão da operadora, sendo responsáveis pela emissão do boleto e atendimento aos usuários. Esse mercado não era devidamente reconhecido e estava à margem da legislação e essa Resolução oferece, a partir de sua vigência, maior segurança para seus participantes.

A RN nº196, que define e disciplina a atuação das Administradoras de Benefícios, reafirma, por exemplo, a proibição da prática de seleção de risco, bem como a imposição de barreiras assistenciais, que venham a impedir o acesso do beneficiário às coberturas previstas em contrato.

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